quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

A característica ambivalente do Ciberespaço

Por:

Alex Antonio Bresciani

Desde as últimas décadas do século passado começou a fazer parte de nosso vocabulário uma série de conceitos e práticas que antes eram desconhecidos pela maioria das pessoas: Aldeia Global, BBS, Comunidade Virtual, Correio Eletrônico, Cultura Digital, Democracia Digital, Identidade Digital, Internet, Jogos em Rede, Largura de Banda, Loja Virutal, Mirc, Multimídia, Navegador, Netetiqueta, Realidade Virtual, Rede ; Bits, Browser, Chat, Cyberpunk, Cyberspace, Desktop, Download, Gigabite, Hacker, Home Page, Hyperlink, Lan House, Messanger, On-Line, Web Site, Wireless, pra citar alguns exemplos.

Algumas vezes, de forma até banal, muitos deles são divulgados freqüentemente em jornais e revistas, comerciais de televisão, letras de músicas, novelas, e uma série de outros meios de informação. As ações inerentes a esses termos estão sendo adotadas com mais freqüência pelas pessoas, sendo que muitas se tornaram hábitos corriqueiros para muitos. Todavia, a implementação dessas ações geralmente estão cercadas de um discurso ideológico, por meio do qual são relacionadas como característica de um mundo novo e cheio de possibilidades.

Essa premissa se assenta nos desenvolvimentos tecnológicos que, desde o pós-guerra, se tornaram alvo de inúmeras pesquisas, que culminaram no desenvolvimento do computador e na criação de uma rede de interação humana, a “sociedade da informaçãoou ciberespaço[1], como denomina Lévy (LÉVY, 1999).

Como salienta Alves (2003) o ciberespaço é um espaço socialmente constituído, um lócus, uma rede de interação e de transformação social mediado pelo computador, ou formas tecnológicas de expressão, como sugere Martinez (2001).

Olhando por essa perspectiva, isto é, do desenvolvimento da sociabilidade mediado por determinadas tecnologias, podemos dizer que essa nova sociedade de que tanto falam, dependendo da abordagem, é tão antiga quanto a própria informática. Desde a época em que o homem se utilizou da escrita para transmitir suas idéias e referências, permitindo a troca de idéias, um conceito muito básico de rede parece se fazer presente, isto é, a interação social ocorrendo não com a intermediação do computador, mas por meio de outras duas ferramentas: a articulação da fala e da escrita.

A idéia de rede, que abrange a formação do conhecimento a partir das relações sociais, deve ser destacada dentro de um contexto social amplo. A questão é que atualmente os processos de formação desse contexto

acelerou-se tanto que [...] [sua] duração, em razão da enorme taxa de introdução de inovações científicas tecnológicas e de gigantesca velocidade de propagação dos conhecimentos, tende a tornar-se tão curta, que a própria condição da crescente taxa de mudanças virá a ser a marca registrada dessa nova era (ZUFFO, 1997, p.14).

Para o autor, essa característica de rápida atualização do sistema será marcante num futuro próximo, de modo que ela “ocorrerá com tal regularidade e uniformidade, que ninguém notará, tornando-se parte da vida cotidiana” (IDEM, p.16). Com freqüência teremos a sensação de novidade, mas na verdade, em essência é a mesma coisa; o que muda com mais freqüência são os suportes técnicos-materiais, dando a impressão de que algo novo se produz, quando na verdade presenciamos uma mudança na aparência e na forma.

Vários podem ser os exemplos para demonstrar como muitos dos novos aparatos técnicos-materiais do ciberespaço fazem parte de nosso cotidiano e como operam na transformação da forma com que o indivíduo se relaciona com a sociedade.

Um desses exemplos é o de quando alguém vai fazer uma consulta ao seu saldo bancário: o usuário está consultando, on-line, por meio de um terminal (o caixa eletrônico), um servidor remoto (banco de dados do banco), no qual as informações referentes à sua conta estão armazenadas. Nesse momento, as informações que estão guardadas na forma de bits são transportadas via rede até o terminal, que irá imprimir a consulta solicitada. Antes era necessário ir pessoalmente ao banco, conversar com um atendente, preencher requisições, etc.

O usuário muitas vezes nem se dá conta de toda rede de inovações que está por traz dessas ações que se tornam até banais, mediadas por essa nova realidade que desde a década de 1990 estão, cada dia mais rapidamente, fazendo parte da vida das pessoas.

É a fundamentação cada vez mais rápida e maciça do ciberespaço que, em complementação com algumas idéias desenvolvidas acima, pode ser entendido, em linhas gerais, como redes de fluxo de informação por meio do qual a sociedade interage e se desenvolve sob novas determinações. (Alves, 2003).

Por isso, hoje, é possível, por meio do microcomputador com conexão ao ciberespaço, escrever uma carta, desenhar, ouvir música, assistir a um filme, acompanhar os fatos ao mesmo tempo em que eles acontecem, conversar com outra pessoa e vê-la, mesmo estando ela em outro país, ensinar à distancia, transmitir informação em forma de áudio e vídeo e uma infinidade de opções.

Percebe-se, portanto, que por meio de ações que estão se tornando simples com o uso do computador e das tecnologias das redes de comunicação (e uma série de aparelhos conexos), é possível, de forma rápida, relativamente barata e sem intermediários, desempenhar ações que até 20 anos atrás seriam impossíveis de se realizar sem a ajuda de um profissional. À luz disso, a literatura mais geral sugere que estamos vivendo um momento único na história da humanidade, no qual novas perspectivas nos são apresentadas, as quais, inevitavelmente, transformarão toda nossa forma de viver num futuro não tão distante.

A revolução da informação está no começo. Vai durar muitas décadas até receber impulso de novasaplicações” – novas ferramentas atendendo a necessidades por enquanto ainda imprevistas. Nos próximos anos, governos, empresas e indivíduos terão de tomar decisões fundamentais. Decisões que influirão na forma que a estrada da informação vai se expandir e na quantidade de benefícios a serem auferidos (GATES, 1995, p.08).

A partir dessa convergência, por muitos identificada ainda no século passado como Estrada da Informação (GATES, 1995), Rede / Infovias da Informação (CEBRIAN, 1999) Mercado da Informação (DERTOUZOS, 1997), Infoera (ZUFFO, 1997) entre outros, a forma como organizamos nossas vidas, nossa economia, a política e a cultura passarão por uma revolução única na história, digna de figurar como momento marcante da humanidade.

Na verdade, esse momento que muitos autores apregoam como novo, é entendido como a “quarta revolução tecnológica” (ALVES, 2003), que é marcada pela revolução das redes e pelaprodução de máquinas microeletrônicas e sua integração em rede interativa ou controlativa (ciberespaço) a partir dos anos 80 do século XX”, onde uma de suas características principais é a de criar espaços virtuais de caráter social sejam eles interativos ou controlativos” (IDEM, 119).

Essa rede é formada por um agregado de técnicas anteriores a ela (telégrafo, rádio, televisão) e inova, ao permitir a convergência em um meio de um conjunto de ações às mãos de qualquer um que tenha acesso à ela. Um dos meios de acesso mais modernos atualmente é a Internet, a principal base técnica do ciberespaço (IDEM). Ela é um sinal dos tempos que se aproxima, da fundamentação da quarta revolução tecnológica, na qual o acesso ao ciberespaço, ou melhor, a possibilidade de interação social por meio de enormes fluxos de informação se por meio de uma série de aparelhos que estão chegando ao mercado dia-a-diatelefones celulares, televisão à cabo e até geladeiras digitais.

O que não podemos perder de vista a respeito disso tudo é o fato de que a estrutura dessa rede, e desse ciberespaço, é considerada a nova forma criada pelo capitalismo para engendrar a produção e reprodução da sociedade (IDEM), de que a “IV Revolução Tecnológica diz respeito a uma etapa do capitalismo moderno – o capitalismo global, o da mundialização do capital com seu novo regime de acumulação flexível” (HARVEY, 1992 Apud. ALVES, 2003, p. 119). É claro que isso não implica numa “gaiola de ferro” da qual não se tem por onde fugir e que engessa nossas ações. Como Alves salienta, nunca antes tivemos uma forma de superação tão significante como essa apresentada pelo ciberespaço. Para ele o ciberespaço aparece como uma possibilidade de desenvolvimento de uma nova sociedade emancipadora para além do capital, além de servir também como uma nova forma de expor, até mais evidente do que em qualquer outro momento, as contradições do sistema.

Quando dizemos ciberespaço dizemos um novo campo midiático onde irão se projetar as contradições sócio-humanas (...) O ciberespaço é uma novalupa sócio-histórica” capaz de nos fazer perceber as imensas possibilidades de perda (e emancipação) humano-social, conduzidas pelo processo civilizatório do capital (ALVES, 2000, p. 55)

Essa leitura permite supor que a rede, ou o ciberespaço, ou a “sociedade da informação” (três dos jargões frequentemente utilizados nesse novo contexto) têm esse duplo aspecto, o de servir como aporte ao desenvolvimento do sistema, mas também como elemento potencial de superação do mesmo.

Esse desenvolvimento, portanto, carrega um o discurso ideológico que o fundamenta; discurso este intimamente atrelado à ideologia por trás do desenvolvimento da sociedade capitalista, que agora se renova por meio da “sociedade da informação” e do ciberespaço, nos fazendo entender que a “sociedade da informação” seja talvez algo não realmente novo, mas uma forma reestruturada do sistema, mascarada por uma ideologia do “novo” e com capacidade para livrar a sociedade dos problemas que o progresso trouxe no bojo de seu desenvolvimento.

Por outro lado, por permitir a participação coletiva (claro que ainda são poucos), a transparência e a rapidez na divulgação de idéias pode permitir a criação no ciberespaço de inúmeras novas formas de contestação ao próprio sistema como Ongs, por exemplo. O ciberespaço possibilita novas formas e novas possibilidades de comunicação e interação intersubjetiva entre os indivíduos. Do mesmo modo que ele é usado como espaço para a reprodução do valor de troca, ele pode ser usado para ressaltar as contradições do mesmo processo, bem como servir de base para se debater e propor formas de emancipação.

Assim, portanto, neste início de século XXI, devemos, entre outros enfoques, pensar em formas de apropriação do ciberespaço para fazer frente daquelas posiçao “defendida pela indústria da informática e seus ideólogos” (RUBEN, 2003, p.248).

Bibliografia

ALVES, Giovanni (Org.). O outro Virtual: ensaios sobre a internet. São Paulo: Práxis, 2000.

________________. Dialética do Ciberespaço. São Paulo: Práxis, 2002.

________________. O Futuro do Trabalho 6. Revista Autor. N.49, 2005.

________________. Ciberespaço como cooperação complexanotas sobre trabalho, técnica e civilização. In: Trabalho, Economia e Tecnologia: Novas Perspectivas para a Sociedade Global / Jorge Alberto S. Machado (organizador). - São Paulo: Tendenz; Bauru: Praxis, 2003. p. 115-132

________________. Internet: arcabouço midiático na era da financeirização. Revista Novos Rumos. Ano 15, N.32, 2000, p. 50-56

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? São Paulo: Cortez, 1995

CAMPOS, T. C. G. O Progresso das comunicações diminui a solidão humana. Rio de Janeiro: Lidador, 1970.

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e terra, 1999, V.1.

CEBRIÁN, Juan. A Rede. São Paulo: Summus, 1999.

DERTOUZOZ, Michael. O Que Será: Como o Novo Mundo da Informação Transformará nossas Vidas? São Paulo: Cia das Letras, 1997.

GATES, Bill. A Estrada do Futuro. São Paulo: Cia da Letras, 1995.

HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre a modernidade. São Paulo: Loyola, 1992.

HOBSBAWN, Eric, J.. A era das revoluções: Europa 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

KUMAR, Krishan. Da sociedade pós-industrial à sociedade pós-moderna. Rio de Janeiro: Jorje Zahar Ed., 1997.

LÉVY, Piere. Cibercultura. Trad.por Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1999.

______. As Tecnologias da Inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. São Paulo : Editora 34, 1997.

______. A Inteligência Coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola. 1998.

______. O que é virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.

MARTINEZ, Vinícius. Democracia Virtual: O nascimento do cidadão fractal São Paulo: Editora Praxis, 2001.

__________________. Democracia Virtual: O nascimento da sociedade pós-virtual In: Dialética do ciberepaço. Bauru, Sp: Editora Document Arminda, 2002.

MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

NEGROPONTE, Nicholas. A vida Digital. São Paulo: Cia das Letras, 1995.

POSTAMN, Neil. Tecnopólio São Paulo: Nobel, 1994.

RHEINGOLD, Howard,. A Comunidade Virtual. Lisboa: Gradativa , 1996.

ZUFFO, João A. A Infoera: o imenso desafio do futuro: o Progresso Técnico. São Paulo: Ed. Saber, 1997.



[1] O termo cyberspace (ciberespaço) foi cunhado na verdade, em 1984 por Willian Gibson, em seu romance Neuromancer (INTRODUÇÂO... 2002).

Os novos signos do velho sistema capitalista

Por:
Alex Antonio Bresciani

Segundo Haim Grunspun, “é difícil encontrar algum adolescente ou um jovem que não tenha tido contato com os videogames” (GRUNSPUN, 2001: 1). Dados apontam que a indústria de entretenimento eletrônico é um dos ramos indústrias que possibilita altos ganhos. Em 2002 essa cifra girou em torno de U$ 10, 3 bilhões de dólares (VENDAS..., 2003: 1).

Em número de jogos, segundo dados de 2000, apenas nos Estados Unidos, um dos paises que mais consome e produz jogos eletrônicos no mundo, foi comercializado pelas 10 maiores softhauses1 mais de 87 milhões de cópias de jogos apenas para os consoles domésticos2, cifra que seria maior se fossem levados em consideração os jogos para computador e periféricos relacionados.

Assim, conclui Grunspun, “alguns pais ficam assustados com a explosão da oferta desses jogos. Acreditam que seus filhos são de alguma forma hipnotizados por esses programas, escravos dos cada vez mais sofisticados equipamentos que chegam ao mercado” (GRUNSPUN, 2001: 1).

Por exibirem elementos violentos, que supostamente induzem crianças e jovens, seus principais consumidores, a comportamento agressivo, esses jogos passaram a suscitar preocupação. Uma, dentre várias questões que poderia ser analisada dentro desse tema seria: por que tais jogos fazem tanto sucesso e vendem em grande quantidade já que seus usuários, acabam consumindo apenas a violência que deles é característico, ainda que está seja virtual?

Talvez alguns teóricos do pós-modernismo nos ajudem a compreender esse fenômeno, isto é, como foi possível que uma indústria, ramificação de algo mais complexo, que supostamente não traz nenhum beneficio em seus produtos finais se tornou o que é.

Segundo David Harvey, “o período que vai de 1965 a 1975 tornou cada vez mais evidente a incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as contradições inerentes ao capitalismo” (HARVEY, 1992, p.135), isto é, a chamada “era de ouro” do capitalismo (HOBSBAWN, 1995: 223) estava em decadência. Esse período era caracterizado, pelo menos nos países centrais, pelo pleno emprego, altos salários, desenvolvimento da indústria, dentre outras características. É nesse período que a sociedade, sobretudo a da informação, começa a passar por mudanças drásticas: o desenvolvimento do microchip, a massificação da televisão, a implantação de multinacionais. Assim, começa uma nova era onde “a mudança tecnológica, a busca de novas linhas de produtos, (...) medidas para acelerar o tempo de giro do capital passaram ao primeiro plano das estratégias corporativas...” (HARVEY, 1992: 137).

Isso levou a formar novas “experiências nos domínios da organização industrial e da vida social e política” (HARVEY, 1992, p.140), mais “flexível”, onde a “rigidez” do fordismo não seria mais possível. Essa nova experiência social e cultural foi denominada pelo autor de “Acumulação Flexível”. Segundo ele, “ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos produtos e padrões de consumo” (HARVEY, 1992: 140).

Dessa maneira, todo um contexto de pleno emprego e estabilidade que era característica da “era de ouro”, e toda uma “lógica cultural” fordista é substituída por uma outra, onde se faz necessário uma nova “expansão global da forma mercadoria” (JAMESON, 1996: 5).

Citamos Jameson, pois ele é outro autor que aborda a questão do pós-modernismo e pensa dentro do mesmo contexto que estamos trabalhando com Harvey. Jameson aponta que a mudança que está ocorrendo dentro do sistema capitalista tem por base a transformação cultural, que toma a própria expressão cultural como mercadoria. Esse processo teria começado ainda na década de 50, “depois que a falta de bens de consumo e de peças de reposição da época da guerra tinha sido solucionada e novos produtos e novas tecnologias (...) puderam ser introduzidas” (JAMESON, 1996: 12).

Aqui se verificam dois pressupostos fundamentais para essa época. O primeiro se refere a toda uma transformação da produção e das relações de trabalho (aumento do trabalho informal, a ocupação das mulheres em cargos que antes eram dominados pelos homens, expansão das multinacionais, etc.), isto é, a formação de um novo mercado produtor e consumidor. Disso parte o segundo pressuposto, ou seja, essas transformações materiais impuseram profundas transformações de mentalidade da sociedade.

Segundo Jameson, já estava ocorrendo uma mudança na mentalidade e nos valores culturais das sociedades promovidas pelo pós-modernismo que, mais do que um conceito, é uma “dominante cultural” (JAMESON, 1996: 29).

No bojo do “capitalismo tardio”, a “acumulação flexível” representa uma continuidade do sistema acumulativo de capitais desenvolvido no início do século. Dessa continuidade faz parte, “além da empresas transnacionais (...), a nova divisão do trabalho, a nova dinâmica vertiginosa de transações bancárias, e das bolsas de valores (...), novas formas de inter-relacionamento das mídias (...), computadores e automação...” (JAMESON, 1996: 22, grifos meus).

Essas transformações, segundo o autor, são uma construção histórica, fato também assinalado por Harvey. Mas são, porém, “de uma ordem cultural totalmente nova” (JAMESON, 1996: 16), de uma “dominante cultural da lógica do capitalismo tardio” (Idem: 72), que coloca “a produção estética (...) integrada a produção das mercadorias em geral”, onde “a urgência desvairada da economia em produzir novas séries de produtos que cada vez mais pareçam novidades (...) com um ritmo de turn over cada vez maior, atribui uma posição e função estrutural cada vez mais essenciais à inovação estética e ao experimentalismo” (Jameson, 1996: 30, grifos meus).

Assim, a construção de novos signos, novos valores e símbolos começa a se tornar mais marcante. Um desses signos é a indústria de jogos eletrônicos, que começa, já na década de 60, a se desenvolver.

Esse novo signo se apóia numa série de outros signos, sendo o mais relevante para a discussão atual são os relacionados à violência. Além de caracterizar, mesmo que de forma fantasiosa a sociedade em que vivemos, isto é, uma sociedade cuja violência é fato comum, os jogos eletrônicos banalizam certos valores relacionados ao tema, sobretudo a morte do outro como algo a ser conseguido de qualquer forma.

O que é mais cruel nessa nova lógica de acumulação, e que não se pode perder de vista, é que os signos relacionados à violência se transformaram em “um produto comercial. ‘É barato e dá lucro’” (ZAPPA, 1998: 6).

Mas o que não se pode deixar de lado é que exploração desse signo não é característica exclusiva dos jogos eletrônicos, ao contrário, seus produtores apenas se apóiam no que é sucesso em outros meios de informação, surgidos a partir da década de 50 e 60, principalmente, que exploram os vários signos valorizados nesse sistema. A televisão é um desses meios, mas não vamos nos deter nisso agora.

O que se quer deixar claro nesse artigo, é que os jogos eletrônicos são produtos industriais, mas não simples mercadorias. Na verdade, podemos dizer que os jogos são mercadorias que traduzem os novos símbolos culturais idealizados por essa nova fase do capitalismo que se solidifica, trazendo aos consumidores novos meios de se relacionar entre si e com a produção cultural de seu tempo, mesmo que essa chegue ao público de forma nivelada dentro de certos padrões que satisfaçam um público geral.

E mais, esses novos produtos culturais já chegam prontos ao consumidor. A capacidade de criação não existe. A forma de se relacionar com esses produtos, a capacidade de fruição proporcionada por eles, não nasce dos próprios consumidores, “não nasce de baixo”, mas sim “através das comunicações de massa”, onde tais produtos lhes são propostos “sob formas de mensagens formuladas segundo o código da classe hegemônica” (Eco, 1993: 24).

Essa classe hegemônica é tão somente a mesma classe que outrora se fundamentou pela exploração da mais valia, característica do sistema capitalista, o qual, como acontece atualmente com os jogos eletrônicos, trabalhava na criação de novas necessidades, novos valores de uso, para manterem sua velha forma de acumulação.

Nos parece assim que a construção desses novos parâmetros societais e culturais, em muitos casos, tem por objetivo a manutenção do status quo dessa “classe hegemônica”. Essa manutenção se dá por meio de códigos de valores que se proliferam através de seus produtos culturais mais banais, os quais podem revelar como se fundamenta seu modelo organizacional, logo suas possíveis contradições.

Nessa forma de organização o ser humano não é valorizado para além de suas capacidades consumidoras. Assim, é comum que o ser humano em geral seja, atualmente, cada vez mais frio, insensível ao próximo, individualista, entre outras características marcantes.

Assim, quando acontece um massacre cuja explicação ninguém consegue encontrar, logo elege-se um bode expiatório para dar conta do fato. Lembremos o caso de Littleton, ocorrido em abril de 1999, no Colorado, Estados Unidos, que marcou de vez a relação entre violência e jogos eletrônicos no contexto mundial. No caso em questão, os protagonistas Dylan Klebold, de 17 anos, e Eric Harris, de 18 “costumavam jogar obsessivamente sangrentos videogames como Doom e Quake (Destruição e Terremoto), usavam a longa capa preta preferida pelos fãs de rock pesado e ouviam a música horripilante de Marilyn Manson e das bandas alemãs de rock, Rammstein e KMFDM (...), também idolatravam Adolf Hitler” (POWERS, 1999: 1). Esses jovens entraram na escola em que estudavam, o Columbine High School, colocando nela cerca de trinta bombas – que não foram detonadas; depois chegaram ao refeitório e atiraram aleatoriamente, com suas pistolas e fuzis, matando doze alunos e um professor, suicidando-se em seguida.

Além de serem consumidores de jogos eletrônicos, esses rapazes tinham outras características em comum: problemas psiquiátricos; eram também indivíduos que não se relacionavam com as outras pessoas, tiveram fácil acesso a armamentos - nos EUA é muito fácil de se comprar legalmente armas; tiveram ainda ao seu lado a falta de segurança nos locais que entraram, eram de família rica, premeditaram o crime, além de outras características especificas.

Enfim, existe nesse e em outros casos ocorridos que não é o caso de citar aqui, uma série de características de personalidade e formação que dá pistas para entender o que pode ter realmente motivado esses jovens a fazer o que fizeram.

Acredito que culpar os jogos eletrônicos pela violência é apenas uma forma de “esconder” realmente as causas reais desses fatos, que tem suas raízes nas contradições de um sistema desleal e desumano que tenta, com suas novas as formas faces e signos, prolongar algo que já é insustentável, mas que lhe dá sustentação.

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Bibliografia

ECO, U. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 1993.

GRUNSPUN, H. Games violentos não fazem mal. Superinteressante on-line, mar. 2001. Disponível em <www2.uol.com.br/super/revista/superpol>. Acesso em: 20 junho 2001.

HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre a modernidade, São Paulo: Ed. Loyola, 1992.

HOBSBAWM, E. A era dos extremos: o breve século XX (1914-1991) São Paulo: Cia das letras, 1995.

JAMESON, F. Pós-Modernismo: A lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ed. Ática, 1996.

OS MAIS vendidos dos EUA, 18 jan. 2001. Outerspace. Disponível em <www.outerspace.com.br>. Acesso em: 13 mar. 2001.

POWERS, A. Tragédia do Colorado abre batalha contra a cultura . O Estado de São Paulo, São Paulo, 29 abr 1999. Disponível em: < www.estadao.com.br >. Acesso em: 11 agosto 2000.

VENDAS de videogames caem em 2000, 17 jan. 2001. Outerspace. Disponível em <www.outerspace.com.br>. Acesso em: 13 mar. 2001.

VENDAS de videogames aumentam em 2002, 28 jan. 2003. Outerspace. Disponível em <www.outerspace.com.br>. Acesso em: 04 fev. 2003.

ZAPPA, R. A violência na sala de estar. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 31 maio de 1998, Caderno B, p. 6-7.


* Originalmente publicada na revista espaço acadêmico - http://www.espacoacademico.com.br