domingo, 16 de agosto de 2009

Do Partido de Lenin às Redes da Sociedade Civil e às Comunidades Virtuais

POr: Nilton Bahlis Dos Santos

INTRODUCCIÓN / RESUMEN

Os ativistas jovens dos movimentos sociais talvez não conheçam os livros de Lênin “Por onde começar?” e “Que Fazer?”, referências inevitáveis no debate sobre partido nos anos 1970/80. Neles, Lênin dizia que um jornal era um importante instrumento de coesão político e um organizador da ação partidária.

Numa época onde a democracia inexistia e em os trabalhadores não tinham acesso à informação, de centralização absoluta do Estado, e, principalmente, quando a sociedade não ganhara complexidade, parecia viável reunir organicamente os setores majoritários da população em torno de um único programa e plano de ação dirigido pela “teoria científica”.

Hoje, com a complexidade da sociedade se inviabiliza a estruturação hierárquica e centralizada dos movimentos. A rapidez com que se modificam o contexto político, relações de forças e interesses e dinâmicas dos diversos setores, eliminam qualquer possibilidade deles serem contidos neste tipo de estrutura.

Isto esta na raiz da crise dos organismos do Estado e organizações partidárias e sociais. As novas tecnologias e a Internet, porém, viabilizam formas de organização que permitem conviver com a mais ampla diversidade; possibilitam a convergência das dinâmicas particulares e até contraditórias existentes dentro dos movimentos, e oferecem possibilidades e instrumentos para uma organização social que ganha a forma de rede e se apresenta através de uma multiplicidade de organizações civis e comunidades virtuais.

O Partido de Lênin: um Dispositivo de Interação Virtual

Os jovens militantes e ativistas dos movimentos sociais talvez não conheçam, mas os mais antigos certamente lembrarão dos livros de Lênin “Por onde começar?” e “Que fazer?”, referências inevitáveis quando se discutia a questão da organização partidária.

Nessas publicações, Lênin propunha a tomada de poder como objetivo estratégico e apontava a necessidade de construção de um partido de combate capaz de estruturar a ação política, consolidar alianças estratégicas e de longo prazo, e dirigir as classes trabalhadoras para o assalto ao poder:

"Nos falamos de criar uma 'sólida organização de combate' para atacar de frente, para assaltar ao absolutismo" (...) “A constituição de uma organização de combate e de agitação política são obrigatórias em qualquer circunstância (...) porque em um momento de explosão, de conflagração, será demasiado tarde para criar uma organização. Ela precisa já estar pronta, para desenvolver imediatamente sua atividade". (Lênin, 1973, p. 14).


Naquele momento, ele se colocava a questão de “por onde começar?”

Começar por um jornal, respondia. Em uma época onde a democracia inexistia, onde os trabalhadores não tinham acesso à educação e quando a produção de informações era restrita, em uma época de centralização e absolutismo do Estado, e, principalmente, quando a sociedade ainda não ganhara complexidade com que convivemos hoje, a possibilidade de reunir de maneira orgânica e disciplinada setores significativos, hegemônicos e até majoritários da população, em torno de um único programa e plano de ação, orientado por uma “teoria científica”, parecia uma possibilidade real.

Naquelas condições, um jornal poderia ser um importante instrumento de coesão político e ideológica, e, principalmente, um organizador e instrumento para estruturar, no tempo e no espaço, a ação partidária e de massas:

* O jornal pode ser "o ponto de partida de nossa atividade, o primeiro passo concreto para criação da organização desejada; o fio condutor, enfim, que nos permitirá expandir sem cessar esta organização em profundidade (...) para toda a Rússia" (Lênin, 1973, p. 17).
* Ele serve a generalização e globalização da luta: "precisamos um jornal, sem o que, toda a propaganda e agitação sistemática fiel aos princípios e abarcando todos os aspectos da vida, são impossíveis". Este jornal complementa a "agitação fragmentária da ação pessoal, os panfletos e brochuras elaborados localmente, pela agitação generalizada e regular" (Lênin, 1973, p. 17).
* O jornal poderia estruturar a ação revolucionária no tempo, pois "a freqüência e regularidade de produção e de aparição (e difusão do períódico) permite medir de forma mais exata o grau de organização atingido..."; e no espaço, pois estenderia a ação política no território, unificando a luta revolucionária em escala nacional. Permitiria superar a "dispersão, pois a imensa maioria dos social-democratas está absorvida por necessidades puramente locais que reduzem seus horizontes e a envergadura de seus esforços...” (Lênin, 1973, p. 17).



A forte presença de concepções estalinistas na tradição dos partidos comunistas durante um longo período, assim como de resto no conjunto da esquerda, terminaram por reduzir as concepções de Lênin a um aspecto de suas formulações: a importância do jornal como irradiador de posições e instrumento para a vanguarda introduzir, na classe operária, de “fora para dentro”, a consciência “para si”. Mas nas formulações acima podemos verificar que o Lênin que pretende é construir o que podemos chamar de um Dispositivo de Interação Virtual (DIV).

O Periódico criado para toda Rússia é antes de tudo uma “armadura”, uma Rede capaz de viabilizar a relação entre todos os militantes e e entre eles e as camadas avançadas do bloco de classes que se pretende construir, com extensão nacional, com o objetivo de assaltar o poder. Ao centrar suas forças na criação do Jornal periódico, ele não se preocupa apenas com as relações efetivas existentes entre os militantes daquele momento, mas com a criação de relações virtuais entre todos os ativistas potenciais, viabilizando a expansão ou retração do Partido nos diversos momentos do processo e para permitir que ele possa acaudilhar e dirigir as massas insurretas na hora decisiva.

Mas o que é um DIV? Conforme Navarro (1996) um DIV:

Tipicamente, ele permite estabelecer relações virtuais entre agentes: isto é, relações nas quais a interação entre os mesmos não chega a concretizar-se efetivamente, ficando somente incipiente e indefinida em sua complexidade real. São relações que se constituem numa espécie de 'expectativa abstrata de interação'. (...) Na medida em que possibilitam, sustentam, fomentam e constrangem as interações virtuais, os DIV se convertem de maneira generalizada, num pressuposto de agenciamento dos indivíduos, formando um âmbito cada vez mais amplo de suas ações, onde a reificação das relações entre tais indivíduos resulta inevitável.


O “Periódico para toda a Rússia”, proposto por Lênin, é um dispositivo especifico capaz de construir o Partido. E este Partido guardará uma similitude de estrutura e de características com o sistema e os fluxos de informação que serão criados por tal dispositivo. Como o Jornal (broadcast – de um para muitos), o partido constrói relações centralizadas e hierarquizadas, de cima para baixo (ainda que pretenda também originar um feedback), através de uma cadeia de organismos que “representam” e acionam os níveis inferiores.

A concepção de Lênin em geral esteve associada ao partido operário, e, evidentemente, o fato de se tratar um tipo particular, um partido conspirativo que pretende assaltar o poder, deixou suas marcas com tintas carregadas em suas formulações. Mas os traços fundamentais deste partido (além do caráter conspirativo) são os mesmos de qualquer partido republicano.

Temos uma concepção onde:

1. O partido é a organização de uma classe ou fração de classe em torno de seus interesses e projetos mais gerais. A coerência deste partido se dá em torno de um projeto (enquanto uma formulação abstrata sobre sua possibilidade de exercer o poder) que corresponderia aos interesses do conjunto dessa classe (ou fração) em detrimento de outras:
2. Este partido luta por sua hegemonia na sociedade atraindo algumas classes ou frações e golpeando outras; e, conquistado o poder, impõe seus interesses sobre o conjunto da sociedade;
3. Do anterior se gera um potencial de alternância de poder e de hegemonia, por via eleitoral ou pela força, entre projetos de diferentes classes ou frações.

A coerência necessária neste tipo de partido gera a reprodução deste modelo no interior dele próprio. Ele será dirigido por seus setores mais coesos, organizados e majoritários (no caso do partido leninista o proletariado industrial das grandes fábricas), que devem atrair ou neutralizar alguns setores e impor sua hegemonia sobre outros. Para manter a coerência e para que esta hegemonia possa resultar em uma ação centralizada, feito o debate, a minoria deve se colocar a disposição da maioria. Para impedir que as lutas internas sejam dilacerantes, surge o modelo do centralismo democrático. Todos podem defender seus interesses, mas definida a maioria, todos devem unificar sua ação em torno das posições da maioria.

Tal e qual um fractal, este modelo de organização política se reflete em todas os níveis e esferas da vida social construindo hierarquias e pirâmides por toda parte.


Sistemas simples e Complexos

Na pesquisa feita para elaboração de nossa tese de doutorado (Santos, 2005) procuramos mostrar como as concepções, formas de organização e ação social podem ser consideradas como elementos de uma cultura determinada, que chamamos de “Ordem do Livro”. Esta cultura está estreitamente relacionada à construção da escrita e da Imprensa, e a irradiação de suas características cognitivas para todo o tipo de prática social. Procuramos então observar que o tipo de processamento que se estabelece a partir da escrita (de divisão em partes e recomposição do todo como soma das partes), e da análise como fonte originária da ciência, caracteriza um determinado sistema particular de informação: um sistema de informações fechado, e que exatamente por ser finito pode ter uma organização e estrutura estável capaz de se estender no espaço e se desdobrar em um tempo absoluto.

O que fazemos neste artigo é estender esta observação para o terreno político, mostrando que a democracia representativa é a expressão política desta cultura e que, ela esta condicionada pelas características particulares deste tipo de sistema. Em outras palavras, o modelo político representativo tem os mesmos condicionantes e constrições dos sistemas simples com sua estrutura hierárquica e causal.

Cabe ressaltar, no entanto, que esta estrutura hierárquica e causal só se torna possível enquanto encontra uma relativa estabilidade, isto é, quando as relações de forças apresentam características de continuidade. Ocorre, porém, que a complexidade das sociedades de hoje inviabiliza a estruturação hierárquica e centralizada permanente das organizações e movimentos, visto a rapidez com que se modifica o contexto político e as relações de forças. Assim conforme se caracteriza uma nova hegemonia, quando ela impulsiona seu projeto, o quadro de conjunto se modifica, pois as dubiedades passíveis de se manter no nível abstrato dos programas, quando colocadas em prática, provocam desdobramentos e conseqüências que levam a novos alinhamentos e reorganização do quadro político.

Qualquer observador atento pode verificar a rapidez com que as unanimidades, eleitorais, ou de outro tipo, desmoronam após processos políticos intensos. Este desmoronamento é tanto mais avassalador quanto mais centralizadas eram as organizações que o sustentavam e mais abrupto foi seu desenlace.

A complexidade e a diversidade, o interesse e dinâmicas diferentes dos diversos setores, em um sistema complexo, desbordam qualquer possibilidade de serem contidos em estruturas centralizadas. Este é o elemento que parece estar na raiz das crises políticas e sociais dos organismos do Estado e das organizações partidárias que vivenciamos hoje em dia e de sua incapacidade de estabilização por períodos prolongados.

Na verdade, ainda que os Partidos sejam estruturados por programas políticos gerais, sua ação política só ganha consistência prática ao nível das ações pontuais e localizadas. É neste nível que eles ganham materialidade e onde as ações são constrangidas pelos agentes locais, ganhando nesse âmbito formas particulares.

É de conhecimento público que as contradições entre o programa dos eleitos e suas ações posteriores, assim como dos que assaltam o poder, são mais freqüentes do que se poderia desejar. Se antes essa contradição não se mostrava explicita isto era fruto da generalidade dos programas, da pouca transparência da ação governamental, porque apenas eram visíveis as suas ações mais importantes e, principalmente, porque entre a formulação dos programas e seus desdobramentos decorriam grandes períodos de tempo.

Se antes eram raros os momentos de intervenção política que se abriam para o cidadão, determinado por processos eleitorais ou por situações revolucionárias, com o aumento da complexidade (determinado pela multiplicação de práticas e do grau de informação / consciência dos processos em curso) o terreno da disputa se desloca para a ação cotidiana que é onde se materializam as políticas.

É essa a razão porquê, de algum tempo para cá, vivemos situações de abruptos desequilíbrios que não podem ser diretamente associados à estruturação de hegemonias políticas construídas em longos períodos de acumulação de forças. Vimos isto no caso da decomposição do bloco socialista ou na queda do muro de Berlim, onde o poder simplesmente desmoronou em lugar de ser assaltado por um partido estruturado.

Nos sistemas complexos, a modificação constante das relações permite que um processo menor e aparentemente secundário crie uma correlação de forças localizada, capaz de desequilibrar o conjunto do sistema, impossível de ser prevista, pois não obedece a relações causais. Nesta situação uma estrutura centralizada é incapaz de absorver e conviver e encontrar um novo equilíbrio com as dinâmicas dilacerantes que se manifestam.

A experiência das eleições espanholas de 2004 é sintomática. O sentimento da população de que o governo estava tentando enganá-la sobre os episódios ocorridos dias antes do escrutínio foi o mais importante fator para a decisão da população de varrer do poder o partido governista.

Alguns dias antes da eleição na Espanha ocorreu uma série de atentados a bomba na rede ferroviária, originando uma grande quantidade de mortos. O atentado era uma ação de resposta de estrangeiros muçulmanos ao envio de soldados espanhóis ao Iraque, mas o governo tentou responsabilizar o ETA pela ação levado por interesses eleitorais. A versão não se sustentou em função das prisões e outros indícios que se sucederam, mas preocupado em não atrair atenções para sua política belicista o governo tentou manter sua versão até depois das eleições, pois faltavam apenas algumas horas para elas. Formou-se então uma rede de comunicação da população, por celulares, onde, com a ampla circulação de informações, aconteceu um processo de sincronização de opiniões, criando-se um consenso na população sobre a manipulação do Governo. O resultado foi o repúdio popular e a derrota nas eleições. Até esse evento a vitória do governo era tida como inevitável.

Evidentemente que a participação da Espanha na invasão do Iraque era suficientemente importante para provocar descontentamento. Mas conforme as pesquisas mostravam, sua importância provavelmente não seria suficiente para decidir o voto popular. A percepção da intenção do governo de enganá-la, foi o fator aleatório que provocou uma sincronização de interesses diversos e uma onda capaz de, em questão de horas, modificar a situação de conjunto.


Sistemas Dinâmicos e Complexidade

O tipo de processo descrito no tópico anterior entra em contradição com estruturas que se propõem ser permanentes e que estabelecem papeis e pesos determinados para os diferentes agentes do sistema. Em sistemas dinâmicos, como os sistemas complexos, os pesos e papéis dos diferentes atores encontram-se em constante modificação. O que em um momento é fonte de força, no momento seguinte é fonte de fragilidade, pois as cartas são constantemente embaralhadas.

Não é novidade a modificação que se verifica na situação de conjunto quando se realizam determinados objetivos estratégicos. Na própria experiência da revolução russa, como em todas revoluções socialistas, vemos uma situação que se repete. Se o partido revolucionário, com sua estrutura centralizada e hierárquica, é capaz de acaudilhar as massas e viabilizar sua insurreição, ao fazê-lo, no mesmo ato modifica estruturalmente o quadro de conjunto da correlação de forças. Na nova situação, a centralização torna o partido incapaz de se adaptar à nova situação onde “mil flores florescem” e onde se manifestam interesses específicos e contraditórios de cada setor da sociedade.

A diferença é que antes este processo se desenvolvia em dezenas de anos. E então podíamos considerar que o partido é que tinha mudado (se degenerado(1) ) e não que ele perdera atualidade em uma nova situação criada. Agora, com o aumento da complexidade, quando o sistema e a produção de informações ganham características infinitas, este processo pode ocorrer em horas como vimos na Espanha.

Um problema complementar é que as contradições provocadas pelo crescimento da complexidade se reproduzem no interior dos próprios partidos e estruturas políticas. Se uma organização centralizada é capaz de estruturar um número limitado de elementos, quando tende ao infinito, a subdivisão sucessiva da sua estrutura em arvore é obrigada a se ampliar, aumentando à distância entre a topo e a base. Isto provoca um crescimento desproporcional desta cadeia causal em número e peso dos elementos intermediários. O peso da estrutura tende a ser cada vez maior, sugando e consumindo seus recursos e energias até que o sistema se esvai na manutenção da própria estrutura e desmorona sob seu próprio peso.

Os debates sobre corrupção, nepotismo e uso do poder para fins privados assim como o aumento do custo da máquina administrativa, podem encontrar então um olhar particular.

Podemos dizer que o desperdício e a corrupção são o “custo” dos intermediários,devido ao tamanho e a hiper-centralização do sistema, condição da qual aparentemente não se consegue fugir e onde, no máximo, conseguiremos identificar e reduzir o s efeitos mais exacerbados.

Estas observações nos levam a conclusão de que os partidos e os instrumentos de centralização do sistema político, tais como são concebidos, entram em contradição com as novas dinâmicas que vivem as sociedades de hoje e tendem a perder gradualmente sua força. As formas tradicionais de democracia baseadas na representação e intermediações (por períodos duradouros), tendem a se mostrar incapazes de absorver e canalizar estas dinâmicas em constante mutação, em particular quando a informação é abundante.

A perda de importância das organizações políticas gerais, que vem ocorrendo, não significa, ao contrário do que dizem alguns, uma despolitização da sociedade. A prática política em um sistema complexo busca outros canais e se cola mais a dinâmica cotidiana. Ela se desloca para o terreno onde a política se materializa, isto é, no nível local, entendido como prática específica e não como algo espacial. Neste “lócus” é que os conflitos e interesses concretos tendem a se desenvolver e ser negociados. Isto aumenta a importância das organizações da sociedade civil que se transformam em espaço de ação política em torno de práticas específicas, viabilizando uma diversidade de tipos de ação, assim como de organizações que dão expressão à complexidade da vida social e permitem que ela se manifeste em sua diversidade.

Neste quadro as novas tecnologias, ao mesmo tempo em que aprofunda a complexidade, viabilizam a criação de novos tipos de Dispositivos de Interação Virtual mais adaptados às suas dinâmicas. A diferença dos DIVs anteriores, estruturados a partir da Imprensa, é que as novas tecnologias viabilizam sistemas complexos, descentralizados e interativos, onde o centro se desloca de um para outro ponto, a cada momento, dependendo dos processos e das relações entre os diferentes agentes que se desenvolvem e se modificam constantemente.

Estes sistemas podem incorporar diferentes espaços e tempos e diferentes culturas. Enquanto nos sistemas simples a emulação se verifica pela competição e concorrência, nos sistemas complexos ela é impulsionada pela cooperação.

Ao contrário dos sistemas simples os sistemas complexos não podem ser descritos por uma racionalidade externa e superior a eles próprios, e não podem ser desmontados em partes e decompostos em relações causais com uma relativa permanência.

As tentativas de submeter os sistemas complexos a uma iniciativa centralizada se dissipam, submetidas a uma multiplicidade de ações originadas nos processos de sincronização entre os seus infinitos agentes. As dinâmicas e características que assume o sistema, ao contrário do que ocorre nos sistemas simples onde parecem corresponder a uma cadeia de relações causais, são aqui frutos de processos de emergentes cuja determinação se encontra em outro nível.

Usamos aqui o conceito de emergência apontado por cientistas empenhados em entender sistemas que usam componentes relativamente simples para construir inteligência de nível mais alto, onde agentes locais desenvolvem ações seguindo regras simples que são capazes de gerar estruturas surpreendentemente complexas (Johnson, 2001).

(Este tipo de sistemas) “resolvem problemas com o auxílio de massas de elementos simplórios, em vez de contar com uma única ‘divisão executiva inteligente’. São sistemas bottom-up (de baixo para cima), e não, top-down (de cima para baixo). Pegam seu conhecimento a partir de baixo. Em uma linguagem mais técnica, são sistemas adaptativos complexos que mostram comportamento emergente. Neles, os agentes que residem em uma escala começam a produzir comportamento que reside em uma escala acima deles: formigas criam colônias; cidadãos criam comunidades; um software simples de reconhecimento de padrões apreende como recomendar novos livros. O movimento de regras de nível mais baixo para a sofisticação de nível mais alto é o que chamamos de emergência” (p. 14) (Johnson, 2001).
Estes processos emergentes criados por sociedades cada vez mais complexas, com suas características de auto-organização, entram em contradição com a dinâmica centralizada e hierarquizada das estruturas políticas da democracia representativa, originando graves crises, com confrontos e alternância entre processos de cima para baixo e processos emergentes.

As novas tecnologias permitem a criação de dispositivos de interação que servem como base para que se desenvolvam novas formas de organização que possibilitam a incorporação e convivência da mais ampla diversidade, assim como a convergência das diferentes dinâmicas particulares e às vezes até contraditórias existentes dentro dos movimentos. Neste sentido, as novas tecnologias podem oferecer suporte e instrumentos efetivos de organização social. Evidentemente, que não será uma organização social hierárquica e centralizada (2) , mas uma organização que ganha a forma de rede e que se apresenta como uma multiplicidade de organizações civis e de comunidades virtuais.

As novas tecnologias, como o jornal de Lênin, podem estruturar uma ação política. Algumas experiências já mostram este potencial, como iniciativas para dar uma maior transparência à ação política e administrativa, ao colocar certos serviços diretamente sob o olhar e ação do cidadão (prestação de contas sobre recursos, controle de suas informações, de sua situação e seus direitos nos diferentes setores do estado, plebiscitos, etc.), ou da compra de produtos e serviços para o estado através de pregões eletrônicos (que provocaram uma baixa de preços nas licitações). Mas, mais do que isso, elas viabilizam a constituição de comunidades virtuais, mecanismos interativos e redes que se expandem e se comprimem, se fundem e se dividem, suficientemente flexíveis para provocar sincronizações e absorver as contradições entre diferentes setores da população e se constituir em ações políticas muito superiores às forças que lhe deram origem, se transformando por isso mesmo em um imenso potencial regulador.

Nesses marcos torna-se necessário repensar, a partir de dinâmicas de baixo para cima, não apenas as organizações políticas, mas também as políticas públicas.


Bibliografia Citada

* JOHNSON, Steven. Sistemas Emergentes. Madrid: Turner Publicaciones/ Fondo de Cultura Econômica, 2003. 260 pp.
* LENIN, Vladimir. Par oú commencer? In V.Lènine – Oeuvres. Moscou V.5, 1973. 59 p.
* NAVARRO, Pablo. Internet como dispositivo de interação virtual,1997. Disponível em:http://www.netcom.es/pnavarro/Publicaciones/InternetDispoInteracVirtua.htmlAcesso em 5 de dezembro de 2004.
* SANTOS, Nilton Bahlis dos. A Ciência da Informação e o Paradigma Holográfico: A Utopia de Vannevar Bush. Tese de Doutoramento em Ciência da Informação - Ibict/Ufrj. Orientador Aldo Barreto Rio de Janeiro, 2005. 185 p. Disponível em: http://www.biblioteca.ibict.br/phl8/anexos/niltonsantos2005.pdf




Notas

1 - É sintomático que nesses momentos se levante sistematicamente a bandeira de voltar às origens e que se tente recompor o equilíbrio anterior. ^ 2Na arquitetura aprendemos que a rigidez torna uma estrutura incapaz de absorver múltiplas e variadas tensões, e impedir processos estocásticos, onde pequenos fatores por sua continua ampliação, podem pôr em risco a estrutura. Para evitar a estrutura contínua foram feitas juntas de dilatação, e das estruturas rígidas e amarradas às rótulas e vigas simplesmente apoiadas, que permitem a estrutura se adaptar aos movimentos inevitáveis.

Fonte: http://www.cibersociedad.net

Nenhum comentário: