quinta-feira, 20 de maio de 2010

Ciência em realidade virtual

Por Fabio Reynol

Um matemático resolve equações mergulhado em uma piscina virtual de números e gráficos, na qual ele pode andar e observar os resultados que são construídos à sua volta. Um químico testa novas interações moleculares movendo manualmente átomos do tamanho de bolas de tênis, que ficam ao seu redor e reproduzem em três dimensões as substâncias formadas.

Esses exemplos futuristas são a solução imaginada por George Djorgovski, professor de astronomia do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, para que pesquisadores consigam lidar com os dados cada vez mais complexos que a ciência vem produzindo em quantidade gigantesca.

Durante o Faculty Summit 2010 América Latina, evento promovido pela FAPESP e pela Microsoft Research, realizado de 12 a 14 de maio, no Guarujá (SP), Djorgovski explicou que a quantidade e a complexidade dos dados científicos ultrapassou os limites da capacidade humana para entendê-los e até mesmo para observá-los.

“É preciso admitir que a maior parte dos dados levantados hoje pela ciência jamais serão vistos por olhos humanos. É simplesmente impossível”, disse Djorgovski.

O pesquisador usou como exemplos trabalhos de sua própria área de atuação, a astronomia. Telescópios monitorados por sistemas automáticos registram diariamente enormes quantidades de dados que não poderiam ser totalmente analisados nem se toda a população da Terra fosse formada por astrônomos, de acordo com Djorgovski.

O mesmo acontece com outras áreas da ciência que trabalham com grandes quantidades de informações, como é o caso dos estudos sobre a biodiversidade e a climatologia. Além de enorme, esse banco de dados está dobrando de tamanho a cada ano e meio.

“A tecnologia da informação é uma enorme revolução que ainda está em andamento. Ela é muito maior que a Revolução Industrial e só é comparável à imprensa de Gutemberg. Essa revolução tem mudado até os paradigmas científicos vigentes”, declarou o pesquisador.

“Armas de instrução de massa”

Ele explica que as ferramentas, os dados e até os métodos utilizados pela ciência migraram para o mundo virtual e agora só podem ser trabalhados nele. “Com isso, a web tem potencial para transformar todos os níveis da educação. É uma verdadeira arma de instrução em massa”, ressaltou fazendo um trocadilho com o termo militar.

“Ferramentas de pesquisa de última geração podem ser utilizadas por qualquer pessoa do mundo com acesso banda larga à internet”, afirmou Djorgovski. Como exemplo, o pesquisador falou que países que não possuem telescópios de grande porte podem analisar e ainda fazer descobertas com imagens feitas pelos melhores e mais potentes equipamentos disponíveis no mundo.

No entanto, trabalhar a educação também envolve o processamento de grande quantidade de informações. Essa montanha de dados a ser explorada levou o pesquisador a questionar a utilidade de uma informação que não pode ser analisada.

Nesse sentido, Djorgovski considera tão importante quanto a coleta de dados, os processos subsequentes que vão selecionar o que for considerado relevante e lhes dar sentido. São os trabalhos de armazenamento, mineração e interpretação de dados, etapas que também estão ficando cada vez mais a cargo das máquinas.

Além da quantidade, também a complexidade das informações está ultrapassando a capacidade humana de entendimento. “Podemos imaginar um modelo de uma, duas ou três dimensões. Mas um universo formado por 100 dimensões é impossível. Você poderá entender matematicamente a sua formação, mas jamais conseguirá imaginá-lo”, desafiou o astrônomo.

Mesmo assim, ele acredita que ainda há espaço para que raciocínio humano amplie sua capacidade, contanto que receba uma ajuda externa: a da realidade virtual. “A tecnologia desenvolvida para os games poderá ajudar o pesquisadores a ter maior compreensão de seu objeto de pesquisa, ao proporcionar uma visualização que o envolve completamente”, afirmou ilustrando com os exemplos do matemático e do químico, citados acima.

Para Djorgovski, um dos grandes problemas da ciência atual consiste em lidar com uma complexidade crescente de informações. Como solução, o pesquisador aposta no desenvolvimento de novos sistemas de inteligência artificial. “As novas gerações de inteligência artificial estão evoluindo de maneira mais madura. Elas não emulam a inteligência humana, como faziam as primeiras versões. Com isso conseguem trabalhar dados mais complexos”, disse.

A chave para essas soluções, segundo o astrônomo, é a ciência da computação. “Ela representa para o século 21 o que a matemática foi para as ciências dos séculos 17, 18 e 19”, disse afirmando que a disciplina é ao mesmo tempo a “cola” e o “lubrificante” das ciências atuais.

Agência: Fapesp

terça-feira, 11 de maio de 2010

Videogame que ensina física

Por Fábio Reynol

Uma espaçonave de tamanho subatômico tem a missão de capturar partículas, identificá-las e com elas montar estruturas atômicas em outro planeta. Essa é parte da missão do Sprace Game , um jogo de computador projetado por físicos do Centro Regional de Análise de São Paulo (Sprace) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) com o objetivo de transmitir conceitos de física de partículas para o público leigo.

O desenvolvimento do videogame foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e é patrocinado pelo Sprace, centro financiado pela FAPESP e que é ligado ao Instituto de Física Teórica (IFT) do campus da Unesp da Barra Funda, na capital paulista.

Na cerimônia de lançamento, realizada na manhã de segunda-feira (10), o professor do Instituto de Física Teórica da Unesp Sérgio Ferraz Novaes, coordenador do Sprace, contou que o jogo faz parte de um esforço de levar aos alunos de ensino médio do país informações atuais sobre física de partículas.

“As informações escolares sobre estrutura da matéria estão defasadas em quase um século”, declarou Novaes através de um sistema de vídeoconferência. O professor falou aos jornalistas a partir do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), em Genebra, Suíça, onde participa do experimento CMS (Solenoide Múon Compacto, na sigla em inglês).

Para mostrar aos estudantes que os átomos são muito mais do que somente prótons, nêutrons e elétrons, a equipe do IFT enviou a todas as escolas brasileiras do ensino médio cartazes didáticos apresentando as demais partículas subatômicas.

“Porém, os cartazes atingem somente os interessados em física, enquanto que o game alcança muito mais jovens”, afirmou o designer do Sprace Game, Einar Saukas, da Summa Technology+Business, empresa que produziu o jogo. O desenvolvimento do game ficou sob a responsabilidade da empresa Black Widow Games Brasil, com a qual Saukas também está envolvido.

Projetado em linguagem Java, o Sprace Game consegue rodar em qualquer computador com sistemas operacionais Windows, Linus, ou Mac. O programador do jogo, Ulisses Bebianno de Mello, da Black Widow, explicou à Agência FAPESP que há três versões de resolução para que até máquinas um pouco mais antigas possam receber o jogo.

“Conseguimos rodar a versão mais básica em um Pentium 1,3Ghz com 512M de memória RAM, acreditamos que a configuração mínima para o jogo seja essa”, disse Mello. Por funcionar em plataformas enxutas, o Sprace Game pode servir como ferramenta de ensino em escolas e instituições com poucos recursos, necessitando apenas do acesso à internet. O jogo é gratuito e pode ser acessado na página do Sprace: Sprace Game

Em busca de partículas

Ao passar pelas quatro fases do Sprace Game, o jogador tem que capturar com sua espaçonave partículas subatômicas; levá-las a um laboratório para que sejam identificadas; descobrir do que são formadas as partículas compostas chamadas de hádrons e recombinar quarks para formar prótons e nêutrons.

Com eles, o jogador consegue montar núcleos atômicos de hidrogênio e oxigênio, a fim de produzir um recurso fundamental para a colonização do planeta explorado, a água.

Uma das fases mais interessantes é a segunda, na qual o jogador deve encontrar e perseguir a partícula tau e observar o seu decaimento, que é a decomposição em outras subpartículas no fim de seu tempo de vida. São essas subpartículas que o jogador deverá capturar. “Isso ajuda a explicar o conceito do decaimento”, disse Saukas.

O designer revelou que um dos grandes desafios do projeto foi criar um jogo que proporcionasse entretenimento sem perder a precisão científica. “Não podíamos fazer um jogo somente divertido e que tivesse incorreções científicas, nem fazer algo muito preciso e que fosse chato de jogar”, afirmou.

O produto final foi testado e aprovado por alunos do ensino médio participantes do Master Class: Hands on Particle Physics evento internacional cuja etapa paulista foi realizada em fevereiro pela Unesp. “Os estudantes tiveram duas horas para jogar, mas depois desse tempo ainda queriam continuar jogando”, contou Saukas.

O sucesso inicial demonstra o acerto na escolha do jogo eletrônico como mídia para divulgar a física de partículas, segundo acredita o professor Novaes. Para ele, trata-se de conceitos intrincados e que precisam ser repetidos para que sejam assimilados. “Filmes, livros e quadrinhos já foram feitos com esse objetivo, mas o videogame é muito mais eficaz nesse aspecto”, declarou o professor.

Repercussão internacional

O professor da Unesp disse que o Sprace Game já tem despertado o interesse de outros países. Uma versão em inglês está sendo finalizada para dar origem a traduções para outros idiomas.

Pesquisadores e divulgadores científicos da França, Áustria, Portugal, República Tcheca e Estados Unidos entraram em contato com Novaes para conversar sobre o jogo, além de profissionais de divulgação científica da Comunidade Europeia.

O professor Helio Takai, do Brookhaven National Laboratory, de Upton, nos Estados Unidos, que também participou da videoconferência do lançamento do Sprace, afirmou que o jogo poderá reduzir a defasagem do ensino de física de partículas que também existe naquele país.

Como no Brasil, o ensino norte-americano até o nível médio repassa conceitos da física descobertos até o início do século 20. Desde então, experimentos realizados em aceleradores de partículas revelaram que prótons e nêutrons são compostos de quarks, partes ainda menores.

Além dos quarks, que se dividem em seis tipos (up, down, strange, charm, bottom e top), também foram descobertos os léptons (elétron, múon, tau e seus três respectivos neutrinos) e as partículas responsáveis pelas interações forte, fraca e eletromagnética (glúon, W, Z e fóton). Enriquecer os conhecimentos de física de estudantes do ensino médio com essas informações mais atualizadas é o objetivo principal do Sprace Game.

“Aqui nos Estados Unidos, as agências de pesquisa valorizam muito as atividades educacionais. Da mesma forma, no Brasil, iniciativas como o Sprace são uma maneira de retribuir à população os investimentos públicos em pesquisa”, falou Takai na cerimônia de lançamento.

Novaes disse que um colega resumiu o ensino de física nesses termos: “Um professor do século 20 ensina física do século 19 para um estudante do século 21”. Para o professor da Unesp, o Sprace Game procura levar informações contemporâneas para estudantes do século 21, por meio de uma mídia moderna.

Agência Fapesp

domingo, 9 de maio de 2010

Redes de inclusão

Por Alex Sander Alcântara

A discussão sobre pobreza quase sempre esbarra nos indicadores de renda, que explicam apenas uma das facetas do problema. Se duas pessoas tiveram acessos diferenciados a serviços públicos como educação e saúde, por exemplo – embora possuam a mesma renda nominal –, uma delas pode ser considerada mais pobre. Além disso, se ela estiver isolada espacialmente, será mais segregada do que a outra.

Pela renda a pobreza até pode ser atenuada, mas, por outro lado, a desigualdade não, pois é reproduzida de várias outras formas. Pesquisas feitas no Centro de Estudos da Metrópole (CEM) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da FAPESP e também um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) – têm se dedicado cada vez mais a ampliar essa percepção.

Um dos eixos de estudo foca na relação entre redes sociais e pobreza e mostra que a desigualdade está presente também nas primeiras. Uma das hipóteses sugere que, além da renda, a sociabilidade – relações familiares, de amizade no trabalho ou na vizinhança, na igreja, associações, entre outras – tem grande impacto nas condições de vida.

Um estudo conduzido por Eduardo Marques, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do CEM, tem indicado que membros de redes com grande homofilia – com parceiros de contato com mesmo perfil socioeconômico e demográfico – têm maior dificuldade para conseguir um emprego, por exemplo.

“A pobreza é multidimensional e articula vários elementos sociais. Até agora, nossas análises sugerem que redes sociais de pessoas pobres tendem a ser menores, menos diversas e mais locais do que as da classe média. Mas essa constatação pode ser observada também entre os mais desfavorecidos, explicando por que alguns indivíduos são mais pobres do que outros com mesma renda”, disse Marques, coordenador da pesquisa, à Agência FAPESP.

A pesquisa sobre redes sociais – que conta com a participação de duas doutorandas e uma mestranda – foi apresentada durante o Seminário Internacional Metrópole e Desigualdade, realizado em março último.

O estudo de campo colheu dados de redes pessoais de indivíduos pobres de São Paulo e Salvador e comparou com uma pequena amostra da classe média. Foram cerca de 362 casos de pessoas pobres (sendo 209 de sete regiões em São Paulo e 153 de cinco regiões em Salvador) e 30 de classe média.

De acordo com Marques, a amostra da classe média – que foi somente de São Paulo – foi usada apenas para ter um parâmetro. A lógica do estudo foi escolher casos muito diferentes entre eles, principalmente em relação aos pobres, cujas redes variam muito internamente.

“Por isso, escolhemos locais que representam situações urbanas diferentes no interior de cada cidade do ponto de vista da segregação, das condições de moradia e do tipo de habitação, como favelas próximas a bairros ricos e pobres, favela de periferia e outros, e representamos nas duas cidades situações de pobreza muito diferentes”, explicou.

Segundo ele, a escolha de São Paulo e Salvador se deu por se tratar de duas cidades com características bem diferentes do ponto de vista da malha urbana e do mercado de trabalho, mas o que se observou foi que os padrões gerais são similares.

“Percebemos que São Paulo apresenta redes de sociabilidade um pouco maiores, enquanto em Salvador as redes tendem a ser mais densas. Mas o que impressiona é justamente a similaridade em ambas, que sugere que esse padrão que obtivemos em São Paulo é sólido, ou seja, representa uma regularidade nas situações de pobreza”, disse o professor da USP.

Combinação complexa

As entrevistas focaram nas redes de contato do indivíduo. As pessoas foram abordadas em espaços públicos e em casa durante a semana ou no fim de semana. Foram coletadas informações relacionadas às redes e os atributos de seus componentes quanto ao gênero, idade e emprego, status usado para controlar a amostragem e combinação de critérios. Para as pessoas de classe média, as entrevistas foram agendadas por telefone.

“Nos dias da semana, por exemplo, entrevistávamos mais mulheres e, dependendo do horário, mais idosos e jovens. Corrigimos as diferenças nas entrevistas seguintes, realizadas em fins de semana”, explicou Marques.

Os perfis de sociabilidade mostraram semelhanças entre as cidades, com a esfera familiar respondendo em primeiro lugar, com 40,6%, e a vizinhança em segundo, com 31,6%. Em seguida, o trabalho correspondeu a 8%, seguido por amizades (5,9%), igreja (4,6%) e estudos (3,3%).

De acordo com Marques, a esfera familiar é muito alta também na classe média. “Mas pessoas pobres que têm redes concentradas na família, nos vizinhos e nos amigos tendem a ter condições piores do que pessoas com sociabilidade concentrada no trabalho, em associações e na igreja”, disse.

O conjunto das pesquisas conduzidas no CEM parte do pressuposto teórico de que o mundo do trabalho, as políticas e ações do Estado e a sociabilidade representam as três fontes de bem-estar, sendo decisivos para a superação da pobreza.

“Quanto menor a ‘homofilia potencial’ maior a probabilidade de se encontrar pessoas diferentes do grupo no qual se está inserido, em comparação com as esferas da família, da vizinhança e dos amigos. Com isso, as pessoas têm mais acessos a informação, repertórios e oportunidades”, disse.

A ideia do estudo é mostrar que muitos indivíduos podem estar segregados no espaço e, ao mesmo tempo, conectados por redes. “O espaço e as redes podem se combinar de maneira complexa, com um combatendo o efeito do outro”, afirmou Marques.

Segundo ele, a pesquisa estabelece, em um primeiro momento, uma relação entre a classe média e pobres, mas depois é feita uma aproximação nos indivíduos menos favorecidos.

“Quando se faz um mergulho na classe menos favorecida, existe uma enorme variedade interna. O estudo procura explicar por que alguns são mais e outros menos pobres, e por que alguns têm sociabilidade mais variada e outros menos, por exemplo”, disse.

A introdução do estudo de Salvador foi importante, segundo Marques, porque trouxe mais segurança para as hipóteses. “Em um primeiro momento, a situação pareceria específica para São Paulo, devido às suas peculiaridades econômicas e sociais, mas não era. O caso de Salvador mostra que há essa similaridade”, apontou.

As análises referentes a São Paulo serão publicadas em livro (no prelo), que será lançado em breve pela editora da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Mais informações: www.centrodametropole.org.br

Por: Agência Fapesp.