domingo, 29 de junho de 2008

Penúria digital

Fonte: Agência Fapesp
http://www.agencia.fapesp.br/boletim_dentro.php?id=9030

O Paraguai é o país sul-americano com menor taxa de penetração da internet, com 4%, segundo estudo apresentado em Assunção pela Câmara Paraguaia de Internet (Capadi).

O estudo também destaca que o país usa apenas 10% do potencial de negócios que oferece a rede mundial de computadores. Para a Capadi, a infra-estrutura de comunicação deficiente representa uma limitação para que empresas multinacionais se estabeleçam no país.

“O Paraguai está muito distante da conectividade e das facilidades encontradas em outros países da região, como Chile, Argentina e Uruguai”, disse Rubén Irala, presidente da Capadi, à agência de notícias SciDev.Net.

O estudo aponta que o Chile é o país mais conectado na América do Sul, com acesso para 43% da população. Em seguida vem a Argentina (39,7%), seguida pelo Uruguai (31,8%).

O Brasil está na média do continente, com 22,4% – segundo a TIC Domicílios 2007, pesquisa realizada pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (Nic.Br), 17% das residências brasileiras tinham conexão com a internet.

Paraguai e Bolívia (com 6,4%) são os dois únicos países da América do Sul em que menos de 10% da população tem acesso à internet. Para a Capadi, superar o baixo índice de uso é algo que “requer vontade política para desmonopolizar e eliminar as restrições de acesso à internet”.

Segundo Irala, entre as restrições encontradas no Paraguai estão o monopólio de acesso às redes de fibras ópticas internacionais por parte da Companhia Paraguaia de Comunicações, as altas tarifas cobradas pelos provedores e a ausência de um marco regulatório para as empresas que desejam investir no setor.

Entre as medidas sugeridas pela Câmara Paraguaia de Internet para tentar reverter o cenário estão a criação de uma rede nacional de dados, o estabelecimento de uma infra-estrutura de comunicações com cobertura nacional, a melhora na qualidade dos serviços e a liberação dos serviços multimídias e de acesso à internet.

domingo, 22 de junho de 2008

Ciberespaço e Contestação Política: o caso do Centro de Mídia Independente (CMI)

Por: Leonardo Ribeiro da Cruz

Comunicação: O Ciberespaço e contestação


A palavra Ciberespaço foi usada pela primeira vez no romance de ficção científica Neuromancer, escrito por William Gibson em 1984. No livro, Gibson usa esse termo para designar um “universo das redes digitais, descrito como campo de batalha entre as multinacionais, (...) palco de conflitos mundiais, nova fronteira econômica e cultural” (LÉVY, 2000:92)

A partir disso, o termo foi aplicado - por usuários e criadores das redes digitais - para designar o ambiente tendencialmente interativo, cooperativo e descentralizado da Internet, ou, segundo Pierre Lévy, um “espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores”, incluindo “o conjunto dos sistemas de comunicação eletrônicos, na medida em que transmitem informações provenientes de fontes digitais ou destinadas à digitalização” (LÉVY, 2002:92).

O ciberespaço é, hoje, uma grande trama onde cada microcomputador ligado a ele é um pedaço desta, formando assim uma rede descentralizada de informações interativas/controlativas jamais vista, e o principal suporte técnico-material do ciberespaço é a Internet, a “principal rede de troca humano-genérica e de intercambio mercantil” (ALVES 2003:123).

Porém, a Internet - como base técnica do ciberespaço - só pôde ter essa constituição, tanto tecnológica como estrutural, por uma serie de processos econômicos, políticos e técnicos ocorridos nas estruturas do capitalismo nos anos 70 e 80 que culminaram na Revolução Informacional (LOJKINE, 1999) ou VI Revolução Tecnológica (ALVES, 2003). Portanto, a Internet e o Ciberespaço estão historicamente determinados: sua constituição tecnológica só foi possível no bojo da crise capitalista das três ultimas décadas do século XX, um momento de transformação dos meios de produção e reprodução capitalista.

Partindo de um levantamento bibliográfico amplo sobre a história da Internet e o uso capitalista do ciberespaço, tanto no Brasil como no exterior, apreendendo leituras sobre ciberespaço e contestação política, Internet, comunicação social, principalmente nos últimos 10 anos e sobre o Centro de Mídia Independente, estudo de caso desta pesquisa, objetivamos analisar a função sócio-comunicacional da Internet, partindo de sua origem - tanto técnica quanto mercadológica como novo campo de sociabilidade humano-genérica – para analisar o uso da Internet para atividades políticas independentes de contestação à ordem do capital


Internet e mundialização do capital

O crescimento nas pesquisas de tecnologia e comunicação que marcaram o surgimento de uma rede que viria a ser base da Internet de hoje, do período de 69 à 73 estão relacionados aos “trinta anos gloriosos” que passavam economicamente e politicamente os Estados Unidos da América no pós-guerra. O sistema fordista aliado à políticas Keynesianas de intervenção estatal no mercado propiciaram um longo período de acumulação capitalista, o que facilitou o processo de desenvolvimento tecnológico.

Porém, o desenvolvimento tecnológico e telemático que definiria estruturalmente a rede mundial de computadores só foi possível no bojo da crise do capitalismo mundial das ultimas três décadas do século XX, palco da IV Revolução Técnico-Científica – a revolução das redes (ALVES, 2003). Essa expansão na infra estrutura tecnológica pode ser entendida como parte do desenvolvimento do capital que tendeu a se mundializar, com o fim do fordismo, do paradigma keynesiano e (conseqüentemente) com fim do protecionismo de mercado inerente ao Estado de bem-estar social e com o inicio das políticas neoliberais.

A IV Revolução Tecnológica diz respeito a uma etapa do capitalismo moderno – o capitalismo global, o da mundialização do capital com seu novo regime de acumulação flexível (HARVEY, 1992). (ALVES, 2003:125)

A mundialização do capital, termo mais específico para o processo de globalização, vai marcar a nova etapa de acumulação capitalista – de internacionalização e a flexibilização dos investimentos e da produção – com características próprias divergentes da rigidez do keynesianismo do pós-guerra, que se esforçou a manter o capital preso à leis regulamentadoras de um Estado intervencionista.

O ponto de partida da mundialização do capital se da na virada da década de 70 para 80, onde recessão de 74-75, aliado às políticas neoliberais da “revolução conservadora” de Margareth Thatcher no Reino Unido e de Ronald Reagan nos EUA puseram por terra o paradigma keynesiano.

Concomitantemente, a produção capitalista passava por um período de “reestruturação produtiva “ (ALVES, 1994). O crescimento das novas tecnologias desenvolvidas a partir da III Revolução Tecnológica na década de 40, aliado à robustez do capital industrial e financeiro decorrentes do longo período de crescimento capitalista durante os “trinta anos de glória” do pós-guerra fizeram com que , na crise de 74-75, a produção industrial se apresentasse com capacidade excedente inutilizável em condições de intensificação da competição por mercados mundiais com países recém-industrializados - tais como o Japão e os da Europa Ocidental - que ha anos já desafiavam a hegemonia do fordismo americano “a ponto de cair por terra o acordo de Bretton Woods e de produzir a desvalorização do dólar” (HARVEY, 1992: 135).

Desta forma, a produção americana passou por um momento de nova racionalização e de reestruturação de seu modo de produção. As mudanças tecnológicas de automação, a diversificação e inovação das linhas de produtos, a busca de novos mercados, a dispersão geográfica industrial para “zonas de controle do trabalho mais fácil” (HARVEY, 1992: 137) foram as medidas tomadas pela produção norte-americana em sua reestruturação produtiva, e são essas medidas que vão dar condições técnicas para a IV Revolução Tecnológica.

É a partir daí que a ideologia da ‘globalização’ – subjacente às políticas neoliberais - é posta como a nova orientação capitalista, considerada como saída para a crise de 1974-1975. Ao mesmo tempo, se desenvolve a ideologia do ‘progresso técnico’, que cultua as novas tecnologias que serão utilizadas pelas corporações transnacionais, através do novo complexo de reestruturação produtiva, para modificar suas relações com os trabalhadores e as organizações sindicais.(ALVES, 1994)

Portanto, só através do complexo de reestruturação produtiva e, principalmente, das políticas neoliberais da "revolução conservadora" de liberalização, desregulamentação e de privatização, com o triunfo do “mercado", que o êxito do capital seria completo. Agora o capital teria forças a se mundializar e de mudar toda as relações existentes de produção e de trabalho.


Ocorre, a partir daí, mudanças qualitativas nas relações de força política entre o capital e o trabalho, assim como entre o capital e o Estado, em sua forma de ‘Estado de Bem-Estar’. Dá-se uma nova – e precisa - orientação ao processo de internacionalização capitalista, com o capital voltando a ter liberdade para se desenvolver e, principalmente, para se movimentar em âmbito internacional de um país ou continente para outro – liberdade que não desfrutava desde 1914 (...)
(ALVES, 1999)

Depois de constituída, nacional e internacionalmente, a rede – denominada Internet - alcançou uma unicidade das técnicas mundiais, sendo importantíssima para um novo mercado global em potencial, e sendo uma importante determinação da globalização como mundialização do capital:

(…) É a partir da unicidade das técnicas, da qual o computador é uma peça central, que surge a possibilidade de existir uma finança universal, principal responsável pela imposição da todo um globo de uma mais-valia universal. Sem ela, seria também impossível a atual unicidade do tempo, o acontecer local sendo percebido como um elo do acontecer mundial (SANTOS, 2000:27).


Portanto, nesse contexto, não existe meios de se conceitualizar a Internet e conseqüentemente o ciberespaço como virtualização em rede e como arcabouço técnico de produção e reprodução capitalista sem nos ater às mudanças estruturais ocorridas no capitalismo a partir dos anos 70 e (por conseqüência) a Revolução Informacional dos anos 80. Da mesma forma, é impossível estudarmos o processo de mundialização do capital como novo sistema de acumulação capitalista – com sua economia em rede e sua acumulação flexível – sem nos preocuparmos com a reestruturação e intensificação da produção tecnológica e informacional. Isso porque a própria globalização se baseou nessa tecnologia em rede em sua funcionabilidade: redes de mídia; redes de empresas; redes de comercio; redes econômicas, etc.. A Nova Economia é essencialmente baseada na noção de rede que só foi possível graças à IV Revolução Tecnológica.

(...) é uma economia que funciona em redes, em redes descentralizadas dentro de uma empresa, em redes entre empresas, e entre as empresas e suas redes de pequenas e médias empresas subsidiadas. (CASTELLS, 2003:17-18)

Outro produto da IV Revolução Tecnológica é a “informacionabilidade”. O emergir de novas tecnologias de informação, tais como a Internet, modificaram o caráter da economia nas duas ultimas décadas. Isso quer dizer que tanto a produção, a produtividade quanto a competitividade – três características fundamentais da chamada Nova Economia – estão intrinsecamente baseadas na informação. Não estamos falando de informação agindo sobre a tecnologia, e sim de tecnologia agindo sobre a informação: a tecnologia usada para gerar, processar e aplicar informações; a informação é hoje, portanto, produto do processo produtivo.

É informacional e global porque, sob novas condições históricas, a produtividade é gerada, e a concorrência é feita em uma rede global de interação. E ela surgiu no último quartel do século XX porque a Revolução da Tecnologia da Informação fornece a base material indispensável para essa nova economia. É a conexão histórica entre a base de informação/conhecimentos da economia, seu alcance global e a Revolução da Tecnologia da Informação que cria um novo sistema econômico distinto (...) estamos testemunhando um ponto de descontinuidade histórica. A emergência de um novo paradigma tecnológico organizado em torno de novas tecnologias da informação, mais flexíveis e poderosas, possibilita que a própria informação se torne o produto do processo produtivo. (CASTELLS, 1999A:87)

Portanto, a base dessa Nova Economia é justamente o arcabouço tecnológico criado nos anos 80, que inclui a Internet. A idéia de rede só foi possível dentro da economia sob uma base material obtida com os avanços das pesquisas em torno da telemática, da informática e das pesquisas sobre comunicação e novos meios de transmissão de informações. Essa base material tem como maior expressão a Internet e o ciberespaço, uma rede mundial de fluxos de informações e de dados entre homens mediado por computadores:

Esta economia tem uma base tecnológica. Essa base tecnológica são as tecnologias de informação e comunicação de base microeletrônica, que tem uma forma central de organização cada vez maior, que é a Internet. Internet não é uma tecnologia, e sim uma forma de organização de atividades (CASTELLS, 2003: 18)

Essas tecnologias de virtualização contribuíram para a constituição de um novo tipo de espaço virtual de fluxos de trocas de mercadorias e investimentos de capitais: a Internet. Com sua formação de rede global, além de suas características de hipermídia, de interatividade, de comunicação e de virtualização, a rede foi apropriada pela lógica da valorização. Um grande exemplo disso é o comercio eletrônico, ou e-commerce. Hoje podemos comprar quase tudo pela Internet: de cds a imóveis .

Mas o e-commerce é um exemplo de utilização da Internet pela industria, mas não é o único e nem o principal. O que caracteriza a apropriação capitalista do ciberespaço vai mais além do que fazer da rede um grande shopping center. Estamos falando de empresas que, ao invés de produzir utilizando a Internet como uma ferramenta midiática, funcionam através da Internet. Empresas de produção/processamento de informações que funcionam e obtém lucro com a venda de informações – como é o caso dos portais como a UOL (Universo on-line) ou a AOL (América On-line) – hoje são comuns, mas representaram uma nova fase de acumulação capitalista baseada na venda de informações. Muitas vezes, empresas como essa nem existem materialmente, ou territorialmente; são empresas exclusivamente virtuais, trabalham em redes desterritorializadas e com um alcance global. Com a crescente demanda das relações na rede surgiu, portanto, um novo tipo de empresa – a empresa informacional - caracterizada pela prestação de serviços especificamente voltados para atender às necessidades da própria distribuição ou produção de informações. São essas empresas especializadas em tecnologias de comunicação (como a Cisco Systems, Inc. , que produz um dos principais equipamentos utilizados na Internet, os roteadores, que muito ajudaram a rápida expansão da rede); empresas especializadas em microeletrônica; além de provedores de acesso, criadores de software, sites de busca, comercio eletrônico, etc.

(...) este tipo de atividade e de trabalho é generalizado, é de toda a economia e são todas as empresas que estão evoluindo nessa direção. Não se trata somente de que todas utilizem a Internet, senão de que se organizam entorno de uma rede, que estejam eletronicamente conectadas e baseadas na informação. (...) por competição global, as empresas que não funcionem assim serão eliminadas (CASTELLS, 2003:20)

Portanto, expansão da Internet criou novos processos de valorização e um mercado consumidor tanto de bens materiais como imateriais (a informação em si). Essa expansão está, em certa parte, relacionado ao continuo barateamento de instrumentos tecnológicos na medida em que cresceram os investimentos em infra-estrutura de comunicação e na capacidade de processamento de dados dos computadores. Com cada vez mais pessoas usando a WWW, mais informação é naturalmente colocada à disposição dessas pessoas. São empresas divulgando seus produtos e serviços, profissionais autônomos se promovendo, currículos sendo exibidos, páginas pessoais, sites de vendas de produtos e serviços etc. Essa abundância aumenta a concorrência entre as diversas páginas, o que leva todos a quererem melhorar a apresentação de seus sites. Além disso, as empresas produtoras de software, especialmente a Netscape e a Microsoft, em grande disputa pelo explosivo mercado de browsers, cada vez mais os dotaram de recursos avançados, como o JavaScript e as folhas de estilo, outro fator que tem ajudado os sites a se tornarem mais e mais complexos.


Arquitetura da Rede

Porém, como indiretamente apontamos acima na história da Internet, a rede nem sempre existiu com interesses comerciais – a Internet não originou-se de um projeto com fins mercadológicos ou empresariais. Como já mencionado, a origem das pesquisas em torno de uma rede mundial mediada por computadores teve influencias do setor de pesquisas militares dos EUA, das pesquisas universitárias e da contracultura dos anos 60. “É, na verdade, uma rara mistura de estratégia militar, grande cooperação cientifica e inovação contracultural” (CASTELLS, 1999A:375). Portanto, há alguns anos, não havia ainda tanta influência das empresas nas instituições que gerem a Internet, que tinha um perfil bem mais acadêmico.

A primeira tentativa de se privatizar a rede foi em 1972, quando o Pentágono ofereceu grátis a ARPAnet à uma empresa americana de tecnologia chamada AT&T, para que esta assumisse e desenvolvesse a rede. Porém, após estudar a proposta, a AT&T não a aceitou alegando que uma rede de computadores como aquela não poderia ser rentável e não via nenhum interesse em comercializa-la (CASTELLS, 1999B). O mesmo descrédito aconteceu anos após com a Microsoft Corporation, empresa de ponta no ramo de softwares e sistemas de rede. Bill Gates, fundador e hoje ex-presidente da empresa chegou a chamar a Internet de "uma bagunça sem real potencial de negócios". Após a percepção de que a Internet era uma grande oportunidade de gerar lucros, as empresas que atuam na área pressionaram e conseguiram fazer parte dos fóruns que regem a rede, tendo neles cada vez mais influência.

Mas a Internet se popularizou muito no meio acadêmico e na contracultura antes de chegar ao grande público. A verdade é que houve um "espírito comunitário" muito forte na criação da rede, que por muito tempo guiou as ações das pessoas. Anteriormente o público da Internet era composto por estudantes e pesquisadores, mais interessados em trocar experiências e satisfazer a curiosidade dos demais do que em usar a rede para auferir lucros. Certamente, até por a Internet ainda hoje se desenvolver a partir de uma arquitetura informática aberta e de livre acesso – os protocolos centrais da Internet TCP/IP, são protocolos que se distribuem gratuitamente e cuja fonte de códigos são acessíveis a qualquer pessoa – esse espírito ainda está presente, muito embora cada vez mais hajam empresas e usuários procurando utilizar a rede com fins comerciais.

Esse espírito da contracultura na criação da Internet esta presente na arquitetura da rede. Sua funcionabilidade, sua auto-regulamentação, sua interatividade e seu caráter global e desterritorializado possibilita outras apropriações da rede baseado em outros interesses sem ser a valorização: desde conhecer um novo amigo ou pesquisar sobre a existência de óvnis até a contestação política.

Primeiramente, a rede é anarquicamente auto-organizada (MARTINEZ, 2003). Vê-se, na Internet, o desenvolvimentos de mecanismos próprios de controle ético-tecnologico por parte dos próprios usuários. Não há algum corpo externo que organiza ou controla a rede (a não ser em casos isolados), se não, um espírito de cooperação por parte dos próprios usuários. A Internet é, na verdade, um conjunto de milhares de computadores, utilizados por pessoas e instituições, interligados. Esses computadores trocam informações entre si por todo o globo terrestre. A motivação para que esse mundo virtual exista e continue crescendo vem de todas as partes envolvidas e a organização necessária para isso é mantida por dezenas de instituições e comitês, criados pelos usuários e governos com essa finalidade.

Outros dois pontos que caracterizam a arquitetura da rede são: a desconstrução do tempo (sincronização e intemporaneidade) e do espaço (interconexão e desterritorialização), podendo até mesmo existir uma unidade de tempo sem uma unidade de espaço, ou uma pluralidade de tempos espaços. “A virtualização inventa, no gasto e no risco, velocidades qualitativamente novas, espaços-tempos mutantes” (LÉVY, 1994:54).

(...), o novo sistema de comunicação transforma radicalmente o espaço e o tempo, as dimensões fundamentais da vida humana. Localidades ficam despojadas de seu sentido cultural, histórico e geográfico e reintegram-se em redes funcionais ou de colagem de imagens, ocasionando um espaço de fluxos que substitui o espaço dos lugares. O tempo é apagado no novo sistema de comunicação já que passado, presente e futuro podem ser programados para interagir entre si na mesma mensagem. O espaço de fluxos e o tempo intemporal são as bases principais de uma nova cultura, que transcende e inclui a diversidade dos sistemas de representação historicamente transmitidos: a cultura da virtualidade real, onde o faz-de-conta vai se tornando realidade. (CASTELLS, 1999A: 398)

Essa desconstrução do tempo, pode ser observada em uma videoconferência, por exemplo, onde vários tempos diferentes se convergem em um só. Foi criado até, para a Internet, uma medida de tempo nova e universal, o @, ou Internet Time. A fabricante de relógios Swatch (www.swatch.com), da suíça, lançou em 1999 um modelo que continha o Internet time, chamado .beat. O Internet time funciona dividindo um dia (24 horas) em mil @ (beat, medida de tempo do Internet Time). É o que vale dizer que um @ equivale a 1 minuto e 24,6 segundos (SWATCH)

A desconstrução do espaço pode ser observada em uma sala de bate papo, onde todos os lugares se convergem no ciberespaço desterritorializado. Assim sendo, essa “sala” não está em lugar físico algum, esta em uma inexistência de localidade. Por esse motivo podemos desatrelar o tempo (real ou virtual) do espaço físico (inexistente)

Essa desterritorialização tem haver com a não materialidade física. No ciberespaço, tudo que existe não é matéria (a não ser cabos, fios, roteadores ou computadores), e sim combinações de códigos binários convertidos em impulsos digitais. A informação em si, a presença em alguma sala de bate papo, ou um site hospedado na rede não estão em lugar algum, senão em um não-lugar ou em todos os lugares conectados. Pois tudo que esta na rede esta passa a ser global, pela sua própria estrutura. Por qual outra razão posso eu, em Marília, encontrar algum escocês em uma sala de Bate-papo, ou “conhecer” museus ou cidades de algum país longínquo sem sair de minha casa?

Do ponto de vista do Ciberespaço a localização geográfica é irrelevante: toda informação pode chegar a qualquer lugar. A única referencia física é o hard-drive (disco rígido) do computador, onde esta contida informação – ainda que este pode ter sua informação copiada ou ser movido com facilidade através das fronteiras. (MACHADO, 2002:49)

O que queremos dizer é que o caráter inerentemente desterritorializado da rede tem possibilitado novas formas de sociabilidade, intercâmbios econômicos, ativismo político e manifestações culturais, de tal forma que conceitos como territorialidade, soberania e cidadania precisam ser reconfigurados.

Além disso, essa arquitetura da rede limita e muito a ação dos governos sobre ela. O controle total da rede por algum órgão externo torna-se praticamente impossível. Tentativas de territorializar a rede para nela aplicar códigos de leis de um certo Estado foram frustradas em algum ponto.

(...) as tentativas de controle (da rede) se multiplicam e a liberdade da rede é vista por muitos governos e corporações como uma seria ameaça devido às mais diversas motivações: seja pelos conteúdos considerados moralmente ofensivo; ou pela facilidade que grupos políticos e ideológicos anti-stablishment se manifestam na rede; pela dificuldade em controlar as transações financeiras; pela facilidade da reprodução digital (propriedade intelectual); ou quaisquer tipos de pratica que podem ser consideradas em diferentes territórios e governos como criminosas e ilegais, a rede tem se tornado a vilã das legislações, a ‘brecha’ pela qual qualquer regra pode ser violada. (MACHADO, 2002: 44)

Como já mencionado antes, o que esta na rede é global. Sua estrutura baseada em trocas de pacotes e sua característica descentralizada torna a censura apenas uma falha técnica da rede, podendo encontrar outras vias de transmissão de informação evitando a via censurada.

Um grande exemplo disso é um site brasileiro de humor (cocadaboa) que, quando censurado no Brasil pelo seu servidor (o servidor de sites é a única forma de se censurar um site), esta foi hospedada em um servidor finlandês. Desta forma, seu material continua sendo exposto na rede sem nenhum problema, impossibilitando o governo brasileiro de tomar alguma precaução a esse respeito, pois o provedor que hospeda o cocadaboa esta em outro território e segue outra legislação.

Assim, apesar de todos os esforços para regular, privatizar e comercializar a Internet e seus sistemas tributários, as redes de CMC [Comunicação Mediada por Computadores], dentro e fora da Internet, tem como características: penetrabilidade, descentralização multifacetada e flexibilidade. Em sua imagem biológica, Rheingold diz que elas se alastram como colônias de microorganismos. Com certeza refletirão interesses comerciais à medida que estenderem a lógica controladora das maiores organizações publicas e privadas para toda a esfera da comunicação. Mas, diferentemente da mídia de massa da Galáxia de McLuhan, elas tem propriedade de interatividade e individualização tecnológica e culturalmente embutidas (CASTELLS, 1999:381)

É o que sugere Antonio Negri e Michael Hardt, em sua obra Império, quando caracteriza a Internet como um produto híbrido de um modelo democrático e um modelo oligopolista.O modelo de rede oligopolista tem como característica a difusão, a mesma característica que utiliza os meios tradicionais de comunicação, tais como a televisão, o rádio ou os jornais. Por difusão entende-se que exista um ponto único e relativamente fixo de transmissão e pontos de recepção praticamente infinitos. Esse modelo é definido pela produção centralizada, pela distribuição em massa e pela comunicação de mão única.

O modelo democrático, argumentam os autores, é caracterizado por ser completamente horizontal e descentralizada, e tem como principal exemplo a estrutura que começou com o projeto da DARPA. Essa característica inerente à rede democrática possibilita a conexão e comunicação de números ilimitados de nós sem um ponto central. Cada nó, independente de localização territorial, se conecta a todos os demais através de uma imensa quantidade de rotas. “Este modelo democrático é o que Deleuse e Guattari chamam de rizoma, uma estrutura de rede não-hierárquica e não-centralizada” (HARDT & NEGRI, 2001:320), diferente do modelo oligopolista, que não é um rizoma mas uma estrutura em forma de árvore, “que subordina todos os galhos à raiz central” (HARDT & NEGRI, 2001: 320).

A mesma distinção é apresentada no livro TAZ – Zona Autônoma Temporária, de Hakim Bey. Em um dos livros mais lidos pela nova geração contracultural, o autor pretende – apropriando-se desde Guy Debord até de utopias piratas – apresentar um novo tipo de ação direta baseadas em zonas que aparecem, desaparecem e reaparecem em outro lugar, evitando a intervenção esmagadora de um Estado terminal – “esta megacorporação/Estado de informações, o império do Espetáculo e da Simulação” (BEY, 2001:16) – justamente por ser indefinível pelos termos do Espetáculo.

Com essa proposta, o autor distingue Internet de web e de contra-net. Da mesma forma, ele caracteriza a Internet, ou apenas net como uma totalidade de todas as transferências de informações e de dados. Porém, o autor acredita que nessa totalidade existe uma outra rede, de estrutura aberta, alternada, horizontal e não-hierárquica de trocas de informações, que ele designa de web. Há também, um uso clandestino, ilegal e rebelde da web, incluindo pirataria de dados e outras formas de parasitar a própria web, que o autor chama de contra-net.

A net, a web e a contra-net são partes de um mesmo complexo, e se mesclam em inúmeros pontos. Esses termos não foram criados para definir áreas, mas para sugerir tendências (BEY, 2001: 32)

O autor faz essa distinção justamente por acreditar que a web é capaz de fornecer não apenas um apoio logístico à TAZ, mas sim ajuda a cria-la, garantindo-a uma duração e uma localização (mesmo sendo virtual).

(...) devemos considerar a web fundamentalmente como um sistema de suporte, capaz de transmitir informações de uma TAZ a outra, ou defender a TAZ, tornando-a ‘invisivel’ ou dando-lhes garras, conforme a situação exigir. Porém mais do que isso: se a TAZ é um acampamento nômade, então a web ajuda a criar canções, genealogias e lendas da tribo. Ela fornece as trilhas de assalto e as rotas secretas que compõem o fluxo da economia tribal (BEY, 2001: 33)

Portanto, o que queremos demonstrar é que a arquitetura existente na rede permitem outros meios de utilização da Internet além da utilização mercadológica, e que já haviam esses outros tipos de utilização muito antes da rede ser apropriada pelas empresas. Muito além de ser um suporte empresarial, a Internet é “um campo de integração difusa e flexível dos fluxos de informações e de comunicação entre máquinas computadorizadas, um complexo mediador entre homens baseado totalmente em dispositivos técnicos, um novo espaço de interação (e de controle) sócio-humano criado pelas novas máquinas e seus protocolos de comunicação e que tende a ser a extensão virtual do espaço social propriamente dito.” (ALVES, 2003:127),.

Giovanni Alves prolonga essa discussão ao apresentar dialeticamente o processo de criação e apropriação do ciberespaço. Ele argumenta que a dialética presente no ciberespaço é a própria contradição entre as promessas contidas nas forças humano-genericas de virtualização pela tecnologia em rede e o capital, que tende a frustrar essa promessa como um pressuposto negado.

O autor também acredita – como os autores já citados – que há dois tipos de apropriação da rede: a apropriação social pelo homem e a apropriação mercantil, pelo capital. Porém, ele argumenta que a apropriação mercantil da rede – que a usa para intensificar seu fluxo de produção e a exploração do trabalho – tende a frustrar a apropriação social da rede no sentido de uma superação da ordem capitalista pelo avanço tecnológico.

Ele apresenta o ciberespaço como:

campo de sociabilidade socialmente construído através da técnica como tecnologia de informação e comunicação como a forma material da cooperação complexa. Ela, a cooperação complexa, implica uma nova base técnica que coloca, como matéria viva, a possibilidade real-objetiva do desenvolvimento de uma sociabilidade emancipadora do ser humano-generico, para alem do capital como sistema de controle sócio-metabólico. Neste caso, é possível dizer que o ciberespaço tende a representar a ultima utopia técnica da pos-modernidade do capital.(ALVES, 2002: 122)

Porém, ele adverte que “as promessas da Internet – e das novas tecnologias de comunicação humana – tendem a ser frustradas pelo capital. Por exemplo: com tal arcabouço midiático o sonho de uma democracia radical, de uma democracia direta imaginada pelo filosófo Jean-Jacques Rousseau, no século XVIII, poderia tornar-se realidade sócio-histórica. Existe, pela primeira vez na história humana, uma base tecnológica capaz de viabilizar tal utopia da democracia radical. Só que não convém à lógica do capital, que homens e mulheres possam participar, diretamente, das decisões que afetam suas vidas. Seria subverter as regras do "jogo democrático", tal como concebido pelos liberais.” (ALVES, 1999B).

Torna-se claro que a Internet, com sua proposta emancipadora se contrasta com a exclusão digital e as formas “alienadas” de interação sócio-humana. É dessa forma que a apropriação mercadológica da rede nega a superação do homem-generico. A virtualização em rede – pressuposto ontológico do ser-social com o progresso técnico/tecnológico – aparece aqui, sob o sistema sócio-metabolico do capital, como formas fetichizadas ou estranhadas de sociabilidade. Além do que, sob esse ponto de vista, a rede esta sendo mais usada como exclusão (conectados e não conectados), do que como uma totalidade.

Mas isso não impede a já citada apropriação da rede pelo homem (pois é sobre essa apropriação que essa pesquisa esta se desenvolvendo), no sentido de que é através dela que se desenvolvem novas formas de interação social e de ativismo político e cultural.

Isso porque que a arquitetura da Internet como modelo democrático, ou web – resquícios do espírito cooperativo da rede como o projeto da DARPA - criou, na rede um novo tipo de interação e uma grande democratização do espaço virtual. Nunca houve antes um espaço público (virtual ou não) que desse vozes a milhões de pessoas que precisavam ou queriam ser ouvidas. Pessoas que encontraram, na base material da mundialização e financeirização do capital, espaço para manifestar a insatisfação para com esse próprio mundo, revertendo a seu favor uma ferramenta econômica capitalista. Essa democracia se da pela capacidade de disponibilidade e de interação de idéias em qualquer espaço tempo, universalizando as visões de mundo mais díspares entre si, sem favorecer pensamentos únicos ou domínios por coerção.

Ainda que atualmente só uma parte minoritária da população global tenha acesso à rede (...), a Internet se constitui cada vez mais como um novo espaço público - democrático por essência e livre por sua concepção – onde, de fato, começa a surgir uma espécie de cidadão global, cosmopolita (...). Por ser um espaço não configurado, desterritorializado e conceitualmente livre também das imposições do mundo real, das ditaduras, dos fanatismos de toda a espécie – embora estes também tenham a liberdade de se manifestar nele – e, principalmente, das fronteiras de todo tipo que o dividem do mundo real, o Ciberespaço permite novas vivências, permite aspirar as novas formas de participação política, interação e participação social, intercâmbios culturais e integração cooperativa de cidadãos – que de outra forma dificilmente poderiam chegar a se conhecer, a poder se expressar e se organizar globalmente. (MACHADO, 2004: 72)

É sobre o espectro dessa apropriação social da rede que esse estudo esta sendo feito: de sua concretização do virtual para o real e do real para o virtual. A Internet não como um grande mercado global ou uma mundialização de uma economia cibernética, mas o ciberespaço como ferramenta e espaço democrático, como um amplo canal aberto de comunicação com a sociedade, e essa ferramenta sendo usada por movimentos sociais-políticos concretos.


Ciberespaço e contestação política

Estudaremos a Internet como uma nova mídia, telemática, democrática e descentralizada de rápida difusão multidimensional de idéias, ideologias, manifestos.... Um novo espaço público e uma ferramenta funcional, se tornando uma grande rede social que favorece processos tecno-comunicacionais de participação política.

Movimentos sociais, ativistas, movimentos políticos, todos os segmentos da sociedade que buscam uma voz em meio a essa própria sociedade, encontraram na Internet essa democracia tecno-comunicacional. O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o Exército Zapatista de Libertação Nacional, o Greenpeace, o Movimento Anarco Punk de São Paulo, todos estes e mais milhões de vozes encontraram, na web, um espaço de comutação, exposição e criticas de idéias.

Foi com essa intenção que o Exército Zapatista de Libertação Nacional aderiu a Internet, na primavera de 1994. E no documento convocatório do Encontro Intercontinental pela Humanidade e contra o Neoliberalismo, o Movimento Zapatista acentuou a importância do ciberespaço para os movimentos contra-hegemônicos: “Aprendamos a ganhar espaços. As mídias não podem tudo. Busquemos a tecnologia e o poder: a superestrada da informação como caminho da liberdade. Maquinas a favor dos povos. O conhecimento é poder, poder para nós”. E logo depois, na Segunda Declaração pela Humanidade e contra o Neoliberalismo, aprovada no Encontro, os zapatistas abordam novamente a questão declarando:

Faremos uma rede de comunicação entre todas as nossas lutas e resistências. Uma rede intercontinental de resistência, de comunicação alternativa contra o neoliberalismo e pela humanidade. Esta rede buscará os canais para que a palavra caminhe pelos caminhos que resistem. Será o meio para que se comuniquem entre si as distintas resistências. Essa rede não é uma estrutura organizativa, não tem centro diretor nem decisório, nem comando central ou hierárquico. A rede somos todos nós que falamos e escutamos (CLEAVER).


Assim se criou a homepage do EZLN (www.elzn.org) que é um eixo de convergência da solidariedade internacional à causa zapatista, quase uma comunidade zapatista desterritorializada.

Mas, muito mais que uma rede de comunicação de resistência, a Internet pode oferecer ferramentas para ser ela a própria resistência. Um grande exemplo foi a Virtual March on Washington (www.winwithoutwar.com), que organizou, no dia 26 de fevereiro de 2003, um bombardeio de e-mails na caixa de entrada do conselho de defesa norte americano, a favor de suspender a ameaça de ataque ao Iraque. Alem disso, organizaram também envio de faxes e ligações telefônicas à Casa Branca.

Mas a maior ferramenta que o ciberespaço pode oferecer a grupos anti-hegemônicos e anti-capitalistas, e a que será mais explorada neste trabalho, é a ferramenta de mídia comunicacional. O ciberespaço revolucionou toda noção de mídia como comunicação. Alem de unir – e aperfeiçoar – todas as mídias já existentes – TV, Rádio, Jornal – como uma hipermídia, criou uma mídia totalmente nova, interativa, hipertextual e global. Destruiu a verticalidade e o difusionismo existente entre o receptor e o transmissor da mensagem, horizontalizando essa relação, onde o receptor pode ser o transmissor de uma mensagem e o receptor pode ser o transmissor de uma outra mensagem ou de uma crítica a essa mesma mensagem. Essas formas participativas e dialógicas que irrompem no ciberespaço acabam com a metáfora do Big Brother que dominou a teoria crítica da comunicação. Big Brother, ou Grande Irmão, é um personagem da obra de George Orwell 1984, the Big Brother is watching you, onde esse enigmático personagem era um grande ditador de uma sociedade e controlava-a por meio das “teletelas”, imensos monitores, de emissão e captação de imagens ligados 24 horas por dia onde esse ditador controlava e vigiava toda essa sociedade (MORAES). Metáfora encarnada dado ao poder quase absoluto de divulgar informações que as mídias estáticas julguem relevantes.

A respeito dessa verticalidade do ciberespaço como mídia comunicativa, o coordenador do MST Neuri Rosseto argumenta:

O fato de as forças progressistas terem seus próprios canais de comunicação possibilita-nos uma maior credibilidade, uma vez que as notícias neles veiculadas estão sob a ótica das próprias forças progressistas, sem filtragem, censura ou deturpação dos fatos. Uma coisa é ler uma notícia sobre a política de privatizações em um meio de difusão controlado ou influenciado pelo governo, que tem todo o interesse em promove-las. Outra é ler essa mesma notícia sob a ótica de quem se opõe a tal política. Nesse sentido, uma home-page feita pelas forças progressistas possibilita, e muito, a divulgação de seus pontos de vista. Os meios de comunicação massiva funcionam como uma espécie de filtro entre o que deve ser noticiado, destacado ou deturpado e ocultado. A Internet rompe com essa intermediação. Por isso, pode facilitar que os agentes das notícias também sejam os agentes que fazem esse acontecimento chegar até o conhecimento da sociedade (MORAES).

O que Rosseto argumentou é que a Internet dá espaço para que as próprias forças anti-hegemonicas se tornem mídias comunicativas, sem passar pela censura ou pela não idoneidade da mídia corporativista estática.

É sobre esse aspecto do ciberespaço que a Centro de Mídia Independente (CMI) – estudo de caso desse trabalho – age, desvinculando o poder comunicacional das mídias corporativistas. Veremos a CMI como um fruto de uma globalização imperialista - como todo o movimento antiglobalização - agindo contra todo esse mercado global e democratizando o poder midiático na rede.

Estudaremos a origem da CMI, sua forma organizacional e seus objetivos. Estudaremos como a Centro de Mídia Independente usa a ferramenta do ciberespaço como subversão às forças destrutivas da globalização.

É o que observa Noam Chomsky, Lingüista e crítico social americano, comentando o papel do CMI na construção de alternativas à mídia empresarial:

Nos últimos anos tem havido um crescente descontentamento com o aumento da concentração da mídia global, a exclusão virtual de vastos setores da população mundial, a diluição da substância e do conteúdo e o que muitos vêem - com razão, penso eu - como um estreitamento e enrijecimento que marginalizam questões de interesse crítico para muitas pessoas, provavelmente para a grande maioria. Esses problemas são verdadeiros. A forma mais construtiva de enfrentá-los é desenvolver alternativas que respondam às preocupações populares com uma ampla participação e reportagem e comentário qualificado. O CMI assumiu essa tarefa com energia, dedicação e comprometimento e conseguiu resultados que são verdadeiramente impressionantes. Ele se tornou uma fonte de informação e análise que dificilmente se encontram em outra parte e adquiriu uma reputação merecida de confiabilidade, competência e compreensão dos acontecimentos. Cada vez mais as pessoas procuram a CMI para ajudar a entender o mundo na qual elas vivem e para enfrentar as importantes questões que as preocupam profundamente e que lhe parecem - com toda razão - ser tratadas pelos sistemas de mídia dominantes de forma a refletir os interesses do poder concentrado, ao invés de seu próprio interesse. O CMI já demonstrou quanto pode ser conseguido com recursos muito limitados. O potencial é grande, a necessidade imensurável. (CHOMSKY)

O Centro de Mídia Independente (CMI) é uma rede internacional de produtores independentes de mídia que buscam ser uma fonte alternativa para fornecimento de informações, desvinculada de qualquer interesse corporativo. Uma fonte independente e autônoma portanto. O CMI está preocupado e comprometido com a construção de uma sociedade livre, igualitária e que respeite o meio ambiente.

Existe, ao todo, cerca de 150 CMIs em aproximadamente de 50 países, todos se auto-ajudando mas trabalhando autonomamente, de forma horizontal (anti-hierárquica), apartidária e tendo como princípio a democracia direta e a liberdade de expressão. Nessa rede, cada CMI é responsável por sua localidade, tendo total autonomia sobre sua política

A rede do Centro de Mídia Independente surgiu no esforço de centenas de produtores independentes de mídia de todo mundo que juntos promoviam fóruns a respeito do papel da mídia e debatiam importantes publicações sociais e políticas. Centenas de mídia-ativistas, muitos que já trabalhavam para desenvolver uma mídia alternativa, ativa em suas próprias organizações como uma opção à mass media corporativa - entre eles Dan Merkle e as agencias alternativas de noticias como Paper Tiger, Deep Dish, Headwaters Video Collective, Sleeping Giant, Changing America, Speak Easy, Free Speech TV e outros – se organizaram para que em Novembro de 1999, em Seattle, fizessem uma cobertura dos protestos contra o encontro da Organização Mundial do Comercio. Quando ocorreu o encontro, centenas de jornalistas e milhares de protestantes lotaram a cidade. Os jornalistas representavam, em sua maioria, um punhado de organizações de mídia corporativa, quando os protestantes representavam diversos grupos interessados em queixar-se contra a OMC e suas políticas.

O Centro de Mídia Independente é, portanto, uma rede de ativistas de mídia, uma organização midiática global, uma rede de coletivos locais de mídia, uma resistência contra a mídia corporativa e contra a globalização econômica, como pertencente aos movimentos anti-globalização e um grande canal de mídia.

Como uma rede de ativistas de mídia, os voluntários do CMI produzem vários projetos midiáticos como reportagens globais (pode-se ver as reportagens do coletivo global na coluna do meio do site www.indymedia.org) além de vários vídeos ou arquivos de áudio.

Como uma organização midiática global, o Indymedia funciona como uma organização técnica de rede. Disponibiliza aos coletivos locais uma serie de suportes tecnológicos na Internet, alem de ter um eficiente corpo de voluntários técnicos e programadores, os techs, que gastaram horas de trabalho voluntário para adaptar a tecnologia de software livre às necessidades do CMI, e esse processo também incorporou valores - livre circulação de informação, transparência no projeto e colaboração – do movimento de software livre na cultura do CMI.

Como resistência contra a mídia corporativa, o CMI vem estabelecendo debates sobre a idoneidade da mídia corporativa, pretendendo ser um forma independente de mídia como uma opção à “grande mídia”, além de participar do Movimento pela Justiça Social nos movimentos anti-globalização, participando como jornalistas e ativistas nos protestos.

Portanto, ao mesmo tempo que a critica às mídias corporativas vem crescendo junto com a política de publicação aberta, o CMI sempre teve uma ativa cobertura de pontos de vistas alternativos e teve sucesso ao usar a Internet para transmitir noticias. A rede CMI se apropria das tecnologias de informação de uma forma imprevisível pelo mundo corporativo, promovendo uma saída para um monte de grupos descontentes e inconformados afim de escreverem matérias com diferentes versões àquela publicada no mass mídia.

Com essa política, o CMI encontra, no ciberespaço, um espaço para democratizar informação e os processos dentro do próprio CMI. O processo de publicação aberta do site, os comentários de cada noticia, até toda a forma organizacional da rede CMI só é possível no arcabouço midiatico existente nas tecnologias em rede e na Internet.

O Ciberespaço e as tecnologias em rede também foram essenciais no desenvolvimento organizacional da rede. É por meio virtual que acontece quase todas as reuniões e discussões do CMI. Seja por listas de discussão regional, nacional ou global, por chats ou por e-mail, quase todas as questões da organização da rede foram formadas e discutidas no ciberespaço. O grupo utiliza dos meios comunicacionais da Internet para discutir e resolver tudo aquilo que está longe da escala local – pois tudo o que é feito localmente geralmente é decidido nas reuniões do grupo que não são virtuais.

Porém, o CMI não é um grupo de ciberativismo clássico, pois nem toda ação do Indymedia é online. O trabalho do CMI inclui a nova e a velha mídia: comunicação física, panfletagem, artes de rua, radio, vídeo e o website. Tanto o CMI global quanto os coletivos locais agem fora do ciberespaço. No CMI-Brasil, temos vários exemplos dessas ações e projetos não-virtuais: o coletivo do Rio de Janeiro, por exemplo, produziu vídeos como o "Não começou em Seattle, não vai terminar em Quebec", sobre os protestos ocorridos no dia 20 de abril de 2001 em São Paulo e "Anita Garibaldi", sobre o acampamento Anita Garibaldi, a maior ocupação da América Latina que fica em Guarulhos. Em Fortaleza há o Mural CMI, em Porto Alegre há a oficina de repórteres populares. Em São Paulo há a edição esporádica do jornal Ação Direta, o CMI na Rua que é uma compilação de matérias publicadas no site, impressas em folha A3 e coladas pelas ruas. Há também um cibercafé no centro de São Paulo montado com computadores doados ou comprados em leilão que oferece acesso gratuito à rede.

Consideramos neste trabalho a formação das novas tecnologias como um momento do processo de mundialização do capital, pois foram sobre as estruturas em rede das novas tecnologias que se erigiu base técnica para o funcionamento em rede na Nova Economia. Sua arquitetura global e rizômica, sua interatividade, sua unicidade de tempo e espaço fizeram do Ciberespaço o alicerce organizacional de novas empresas, interessadas na acumulação capitalista em um novo mercado global e virtual de rápido fluxos de informações.

Houve, assim, a apropriação capitalista do Ciberespaço e de todas as tecnologias de informação. Foi a união entre o capital e a ciência como tecnologia. Todo desenvolvimento de uma rede mundial de computadores desenvolvidas a partir da mundialização do capital tiveram, em sua finalidade, o interesse de novos processos de valorização em um novo mercado de consumidores de bens materiais ou imateriais.

Porém, o que esse trabalho buscou investigar foi uma outra forma de apropriação da tecnologia: a apropriação humana da Internet. Baseados em sua arquitetura relativamente democrática, sua característica de protocolo aberto, por sua interatividade, até por sua estrutura rizômica - características que foram desenvolvidos antes mesmo da apropriação capitalista do Ciberespaço, quando a rede era desenvolvida por acadêmicos e voluntários – e pela crescente informacionabilidade e alcance dessa rede, movimentos sociais e indivíduos se apropriaram da rede como nova forma de interação social e de ativismo político e cultural.

Isso significa uma inversão de valores e finalidades da própria tecnologia: a mesma base tecnológica criada e usada para fins de valorização, como um novo espaço da organização, produção e reprodução da Nova Economia capitalista é também usada como a base organizacional e comunicacional de novos movimentos que lutam justamente contra essa produção e reprodução capitalista.

É assim que age o Centro de Mídia Independente, estudo de caso desse trabalho como um exemplo dessa apropriação humana do Ciberespaço. O CMI se organiza e age dentro do Ciberespaço, utilizando-o como uma ferramenta valida na contestação da ordem atual. Como pertencente aos novos movimentos sociais intitulados “anti-globalização”, ele se apropria da Internet buscando a construção de uma nova sociedade, igualitária, horizontal e livre de interesses financeiros.

Raoul Vaneigem, um dos membros da Internacional Situacionista, em 1962 escreveu:

Conhecemos o campo de batalha. O problema é preparar o combate antes que o patafísico, armado com sua totalidade sem técnica, e o cibernético, armado com sua técnica sem totalidade, consumam seu coito político. (VANEIGEM, 2002)

Pois bem, esse coito já foi consumado. A Internet hoje, como um espaço de consumo de mercadorias, é justamente a filha desse coito: da tecnologia com o capitalismo. Porém, o que esse trabalho procurou ressaltar, foi a possibilidade e a necessidade de continuar esse combate, no mesmo campo de batalha. A Internet é uma realidade; sua arquitetura é uma realidade, portanto, não deve-se ignorar a potencialidade real desta como forma de contestação e atuação política. Não deve-se deixa-la a favor dos interesses que já as dominam enquanto esta se mostrar uma via valida de organização e formação de uma crítica à esses interesses.

Portanto, concluímos esse trabalho com a certeza de que há realmente uma potencialidade contestatória na rede, e com a urgência da necessidade da utilização dessa potencialidade para o bem comum e para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.


Bibliografia

ALVES, Giovanni. A internet como arcabouço midiático da era da financeirizaçao.Disponível em: . Acesso em: 24 jan 2003.
[LIALVES, Giovanni.Breves Reflexões sobre a natureza do Ciberespaço. Disponível em: . Acesso em: 24 jan 2003.
ALVES, Giovanni. (1999A) A Internet e o Capital. Disponível em:
. Acesso em: 24 jan 2003.
ALVES, Giovanni. (1999B) O que é Mundialização do Capital. Disponível em: . Acesso em: 24 jan 2003.
ALVES, Giovanni. Ciberespaço e Fetichismo in ALVES, Giovanni (Org.) e MARTINEZ, Vinício (Org.), Dialética do Ciberespaço – Trabalho, Cultura e Tecnologia no Capitalismo Global, Bauru: Editora Práxis, 2003.
ALVES, Giovanni. Ciberespaço como Cooperação Complexa – Notas sobre Trabalho, Técnica e Civilização in MACHADO, J. (org) Trabalho, Economia e Tecnologia: Novas Perspectivas para a Sociedade Global. São Paulo: Tendez, Bauru: Práxis, 2003
ALVES, Giovanni (Org.) e MARTINEZ, Vinício (Org.), Dialética do Ciberespaço – Trabalho, Cultura e Tecnologia no Capitalismo Global, Editora Práxis, 2003.
ARRUDA, Jose Jobson. Historia Moderna e Contemporânea. São Paulo: Atica, 1996.
BAGDIKIAN, Ben H.. The Media Monopoly. Beacon Press, 1997
BEY, Hakim. TAZ: Zona Autônoma Temporária . São Paulo: Conrad, 2001
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999A
CASTELLS, Manuel.(1999B), Internet y la Sociedad Red, conferencia na Universitat Oberta de Ca, Barcelona. Disponivel em Acesso em 20 jan 2004.
CASTELLS, Manuel.(2001), Internet: ¿uma arquitetura de liberdad? Libre comunicación y control del poder. Disponivel em : Acesso em 20 jan 2004
CASTELLS, Manuel. A Cidade na Nova Economia in MACHADO, J. (org) Trabalho, Economia e Tecnologia: Novas Perspectivas para a Sociedade Global. São Paulo: Tendez, Bauru: Práxis, 2003
CHARLAB, Sergio. Você e a Internet no Brasil. 2ª Edição, Objetiva, 1995.
CLEVER, Harry (1999) . The Zapatista Effect: The Internet and the Rise of an Alternative Political Fabric. Dieponivel em: . Acesso em: 23 fev. 2003
CLIX, História da Internet. Disponível em: . Acesso em: 01 nov. 2002
CMI, Sobre o Centro de Mídia Independente. Disponível em:. . Acesso em: 27 fev. 2003
FONSECA, Erik e SAMPAIO, Ênia. Historia da Internet. UFMG. Disponível em: . Acesso em: 01 nov 2002.
GATES, Bill. A estrada do futuro. Cia das Letras, 1995.
GAZETA. Entrevista do Cmi-Brasil para a Gazeta de Vitória – Es publicada em outubro de 2002, gazeta: Vitória, ES, 2002
IMC. IndyMedia Documentation Project. Disponível em: . Acesso em: 27 fev. 2003
HARDT, Michael & NEGRI, Antonio. Imperio. Rio de Janeiro: Record, 2001
KIDD, Dorothy. Indymedia.org and the global social justice movement in OPEL, A e POMPPER, D. Representing Resistance: Media, Civil Disobedience and the Global Justice Movement. Eds. Greenwood Publishing, 2003.
KIDD, Dorothy. About Indymedia. Disponível em: . Acesso em: 27 fev. 2003
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Edit. 34, 2000.
LÉVY, PierreInteligência Coletiva: Por uma antropologia do ciberespaço. Edit. Edições Loyola, 1999
LÉVY, Pierre O que é o virtual. Edit. 34, 1996
LUKÁCS, G. Il Lavoro, Ontologia Dell’Essere Sociale. Trad. Alberto Scarponi. Roma: Editori Riuniti, 1981.
MACHADO, Jorge A. S. Ciberespaço e Esfera Tecno-social: Uma Reflexão sobre as Relações Humanas Mediadas por Computadores. Disponível em: . Acesso em: 05 nov 2002.
[LIMACHADO, Jorge A. S. O ciberespaço como arquitetura da liberdade – tentativas de territorialização e controle da rede in ALVES, Giovanni (Org.) e MARTINEZ, Vinício (Org.), Dialética do Ciberespaço – Trabalho, Cultura e Tecnologia no Capitalismo Global. Bauru: Editora Práxis, 2003.
MACHADO, Jorge A. S. Repensando a Cidade: Redes Globais, Fragmentação e outras Tendências Contemporâneas in MACHADO, J. (org) Trabalho, Economia e Tecnologia: Novas Perspectivas para a Sociedade Global. São Paulo: Tendez, Bauru: Práxis, 2003
MOREIRA, Manuel B. Globalização Econômica: Aspectos Relevantes in MACHADO, J. (org) Trabalho, Economia e Tecnologia: Novas Perspectivas para a Sociedade Global. São Paulo: Tendez, Bauru: Práxis, 2003
MAXIMIANO, Antonio C. Amaru. Teoria Geral da Administração: da escola cientifica à competitividade na economia globalizada. Edit. Atlas. São Paulo, 2000.
MORAES, Denis. RBCC, 2001. Comunicação virtual e cidadania: Movimentos sociais e políticos na Internet. Disponível em: . Acesso em 01 mar. 2003.
MORRIS, Douglas. Globalization and Media Democracy: The Case of Indymedia in.Shaping the Network Society.
SCHULER, D e DAY, P. (org.), Shaping the Network Society MIT Press. 2003
PEDRO, Thiago C. O lingüista e crítico social americano Noam Chomsky comenta o papel do CMI na construção de alternativas à mídia empresarial. [Mensagem pessoal]. Mensagem recebida por em 01 de março de 2003.
RIBEIRO, Ligia Maria. FEUP-CICA.1998. Algumas notas sobre a história da Internet.Disponìvel em: . Acesso em: 05 nov 2002.
RNP. Histórico da RNP. Disponível em: . Acesso em: 05 nov 2002
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 2ª Edição, Editora Record. Rio de Janeiro, 2000.

domingo, 15 de junho de 2008

Ciberespaço, a ambigüidade do concreto e do abstrato

Marcelo Solé Wanderley

Estudar e conhecer as origens do ciberespaço e as conseqüências de sua existência é importante para compreendermos como espaço e sociedade estão organizados atualmente.
O meio técnico científico informacional é o requisito para a criação das redes técnicas de computadores (concreto), as quais, através de seus fluxos, geram o ciberespaço (abstrato). Esta distinção entre concreto e abstrato é apenas um recurso inicial para distinguir os fixos dos fluxos, pois como veremos no decorrer do trabalho, o ciberespaço é composto de, ao mesmo tempo, elementos concretos e abstratos.
Entendemos o meio técnico-científico informacional como o período em que o homem não utiliza apenas o que a natureza disponibiliza, como no meio natural. Também não é apenas uma mecanização do território, como no meio técnico. Entendemos que as mudanças inferidas no território não são atribuídas apenas à máquinas, por mais modernas que elas sejam. O meio técnico-científico informacional vai além

Neste período, os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais, já que, graças à extrema intencionalidade de sua produção e de sua localização, eles já surgem como informação; e, na verdade, a energia principal de seu funcionamento é também a informação (SANTOS, 2002, p.238).

Neste contexto, temos a formação das redes , que normalmente têm as suas definições dividas em duas matrizes: “a que apenas considera o seu aspecto, a sua realidade material, e uma outra, onde é também levado em conta o dado social”. (SANTOS, 2002, p.262)

Neste trabalho concordamos que devemos estudar as redes levando-se em consideração tanto a realidade material da rede (concreto) quanto o dado social (abstrato), pois, só assim, conseguiremos refletir o real significado das redes. Pois elas apresentam uma infra-estrutura, que contém, entre outros equipamentos, cabos submarinos e satélites. Mas também são “... social e política, pelas pessoas, mensagens, valores que a freqüentam. Sem isso, e a despeito da materialidade com que se impõe aos nossos sentidos, a rede é, na verdade, uma mera abstração” (SANTOS, 2002, p.262).

Com a criação e a utilização da infra-estrutura, os fixos, surgem os fluxos, que são
as trocas de informação. Da interação entre fixos e fluxos cria-se o ciberespaço, que é entendido por nós como

... uma dimensão da sociedade em rede, onde os fluxos definem novas formas de relações sociais.... as relações sociais no ciberespaço apesar de virtuais, tendem a repercutir ou concretizar-se no mundo real. Marca, portanto um novo tipo desociedade. (TANCMAN)

O título desse trabalho “Ciberespaço, a ambigüidade do concreto e do abstrato” reflete essa relação. O ciberespaço é muito mais que computadores conectados. Ele precisa que esta rede seja utilizada, que ela gere fluxos. Sem isso ele não existe.

O ciberespaço traz em seu bojo muito mais do que a troca de informações por redes de computadores. Devido a velocidade com que essas trocas se efetuam todo um paradigma e uma relação tempo / espaço é modificada. David Harvey , em 1993, já nos alertava sobre essa mudança, a qual, ele chamou de compressão espaço temporal e Tancman nos explica a seguir:

a velocidade dos media eletrônicos instaura uma nova forma de experienciar o tempo, substituindo a noção de tempo-duração por tempo-velocidade e a instantaneidade das relações sociais. O tempo permeado pelas novas tecnologias eletrônico-comunicacionais é marcado pela presentificação, ou seja, pela interatividade on-line, de fato constatado nas tecnologias de telepresença em tempo real que alteram nosso sentido cultural de tempo e espaço. (TANCMAN, 2004)

O progresso da técnica observado no meio técnico científico informacional em conjunto com a compressão espaço / tempo e com o uso das redes pelos agentes capitalistas, modificaram a sociedade até um ponto que temos de concordar com Castells quando ele anuncia que a sociedade atual é a sociedade informacional. Uma sociedade onde a informação não é apenas utilizada (todas as sociedades a utilizam), na sociedade informacional “... o processamento e a transmissão da informação tornam-se as fontes fundamentais de produtividade e poder devido às novas condições tecnológicas surgidas nesse período histórico”. (CASTELLS, 2000, p.46)

O ciberespaço modifica a sociedade, o trabalho, o lazer e o relacionamento entre as pessoas. Uma reunião de trabalho não necessita que os presentes estejam em uma mesma sala, existe a teleconferência. Adolescentes se reúnem para jogar War pela Internet. Eles jogam com pessoas que, talvez, nem conheçam. Mas como o espaço é afetado e afeta a sociedade na passagem de uma sociedade industrial para uma sociedade informacional?

A transição, na década de 1970, do meio técnico para o meio técnico-científico informacional não pode ser vista apenas como desenvolvimento tecnológico. O entendimento das conseqüências desta mudança é o que nos permite compreender as atuais relações do homem com o território e a ascensão da produção flexível em substituição ao modo fordista de produção. Esta transição modificou o território, que sofreu um processo de cientificização e tecnicização e informacionalização, conforme Milton Santos nos explica

Os espaços assim requalificados atendem sobretudo aos interesses dos atores hegemônicos da economia, da cultura e da política e são incorporados plenamente às novas correntes mundiais. O meio técnico-científico informacional é a cara geográfica da globalização (SANTOS, 2002, p.239).

Neste momento é interessante reforçarmos a noção que as redes são a base física para o ciberespaço, e em alguns trechos do nosso trabalho rede e ciberespaço podem ser entendidos como sinônimos. Assim, veremos a seguir como Milton Santos relaciona redes ou ciberespaço com espaço:

As redes são a condição da globalização e a quintessência do meio técnico-científico informacional. Sua qualidade e quantidade distinguem as regiões e lugares, assegurando aos mais bem dotados uma posição relevante e deixando aos demais uma condição subordinada. São os nós dessas redes que presidem e vigiam as atividades mais características deste nosso mundo globalizado (SANTOS, 2002b, p.82).

Esta dinâmica cria distorções e diferenciações no espaço, tanto nos países centrais, como nos países periféricos. Áreas mais ou menos desenvolvidas ou espaços luminosos e espaços opacos, são identificados na medida em que

Chamaremos de espaços luminosos aqueles que mais acumulam densidades técnicas e informacionais, ficando assim mais aptos a atrair atividades com maior conteúdo em capital, tecnologia e organização. Por oposição, os subespaços onde tais características estão ausentes seriam os espaços opacos (SANTOS, 2002a, p. 264).

Além das distorções entre países centrais e países periféricos, existe a distorção
dentro dos próprios países, conforme Castells

Dentro dos países, há também grandes diferençasespaciais na difusão do uso da Internet. As áreas urbanas vêm em primeiro lugar, seja em países desenvolvidos ou em desenvolvimento, e as áreas rurais e as pequenas cidades ficam consideravelmente para trás em seu acesso ao novo meio [...] O atraso na difusão da Internet em áreas rurais foi observado nos Estados Unidos, na Europa, e mais ainda, nos países em desenvolvimento (CASTELLS, 2003, p.174).

O meio técnico científico informacional, como vimos, modificou e continua modificando o espaço e a sociedade. As redes, e consequentemente, o ciberespaço são um dos grandes expoentes do meio técnico atual. Por isso não podem ser desprezados ou ignorados em estudos sobre espaço, trabalho ou lazer.
Se, como alguns estudiosos acreditam, a Geografia não deve ou não tem recursos teóricos para estudar o ciberespaço – o que nós não concordamos – é interessante reler um dos mais importantes geógrafos brasileiros:

Cada vez que as condições gerais de realização da vida sobre a terra se modificam, ou a interpretação de fatos particulares concernentes à existência do homem e das coisas conhece evolução importante, todas as disciplinas científicas ficam obrigadas a realinhar-se para poder exprimir, em termos de presente e não mais de passado, aquela parcela de realidade total que lhes cabe explicar (SANTOS, 2002c, p.18)

BIBLIOGRAFIA

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo. Paz e Terra. 2000

________________ A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003

SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Editora Record, 2002a.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2002.

______________. O país distorcido: o Brasil, a globalização e a cidadania. São Paulo: Publifolha, 2002b.

______________. Por uma geografia nova. São Paulo: Edusp, 2002c. TANCMAN, Michéle. A territorialidade do ciberespaço.

________________ Exclusão digital e ciberespaço no ensino de geografia: o relato de uma experiência. 2004.

domingo, 1 de junho de 2008

AS PRINCIPAIS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS QUE PROPICIARAM O DESENVOLVIMENTO DO CIBERESPAÇO

Por: Alex Antonio Bresciani

O desenvolvimento técnico do ciberespaço

De acordo com diversos autores, desde o pós-guerra tem havido implementação e desenvolvimento de uma série de tecnologias que parecem estar alterando significativamente nossa maneira de viver.

É difícil separar as várias etapas e técnicas responsáveis por essas mudanças, pois cada uma delas de alguma forma depende do desenvolvimento da outra para estabelecer sua fixação. Como aponta Postman (1994),

o computador, como o conhecemos hoje, teve de esperar uma variedade de outras descobertas e invenções, inclusive do telégrafo, do telefone e a aplicação da álgebra booleana no circuito baseado com relê, resultando na criação do circuito digital lógico (p.116)

Seguindo uma mesma linha de pensamento, mas relacionando o momento atual com outra fase de desenvolvimento produtivo da sociedade, Kumar (1997), afirma:

na verdade, a “sociedade da informação” já estava posta no início da revolução industrial com o surgimento do telefone, da fotografia, do telégrafo, entre outras, entretanto, outras transformações na época ganharam mais impulso, como as máquinas a vapor e a eletricidade
(IDEM, p.30)

De modo geral, podemos dizer que a base do que se convencionou chamar de ciberespaço ou “sociedade da informação” não é exatamente algo novo, mas sim algo que já se desenvolvia de maneira tímida se comparando ao que temos hoje.

Mesmo tendo sua base alguns séculos atrás, a “sociedade da informação” que temos hoje se assenta em três pilares básicos da história do desenvolvimento tecnológico: o desenvolvimento da microeletrônica (transistores, processadores de informação, entre outros), o desenvolvimento da informática (hardware e software) e a das telecomunicações (satélites, fibras ópticas).

No que se refere aos computadores, podemos marcar a década de 1940 como o momento inicial de seu uso e desenvolvimento, quando a microeletrônica ainda estava na prancheta de projetos de várias pesquisas. Precisamente em 1941, o primeiro computador eletro-mecânico (Z3) foi desenvolvido e utilizava-se de válvulas e motores para funcionar. (EVOLUÇÃO..., S/D).

Pesados e dispendiosos, os computadores serviam basicamente para a realização de cálculos - para cálculo do ajuste da trajetória de canhões, por exemplo, durante a segunda guerra. A partir dos anos 50 o desenvolvimento tecnológico também foi impulsionado pelo acirramento da guerra fria e da corrida espacial, de modo que novos modelos foram surgindo. (CASTELLS, 1999).

O que queremos ressaltar no momento é que com o passar dos anos, a utilização do computador superou essa qualidade inicial – de servir como potente calculadora. A evolução da microeletrônica e o barateamento de uma série de componentes não só potencializou sua velocidade e capacidade de cálculo, como favoreceu a sistematização de novas aplicações de ordem técnica e cotidiana (KUMAR, 1997). Atualmente, sua característica mais evidenciada é a de facilitar aos indivíduos a realização de suas atividades mais comuns e de permitir o acesso a uma série de atividades novas, como ao conhecimento, além de proporcionar mais lazer, entre outras tantas atividades. A tendência é se expandir mais tanto em quantidade de aplicações como de serviços. (ZUFFO, 1997).

O mais marcante nesse desenvolvimento talvez tenha sido “o advento do microprocessador em 1971, com capacidade de incluir um computador em um chip, [o que] pôs o mundo da eletrônica e, sem dúvida, o próprio mundo, de perna para o ar” (CASTELLS, 1999, p.61).

Nesse momento, a área da microeletrônica recebia pesados investimentos, de modo que os circuitos desenvolvidos a partir de então se espalharam por outras áreas da eletrônica. Assim, aparelhos que usavam grandes circuitos ou válvulas, como a televisão, foram melhorados pelos chips.

A indústria da microeletrônica encontrou uma demanda de mercado já pronta, isto é, uma base instalada de produtos de consumo que já integrava a vida das pessoas (como televisores), e que seriam melhorados com a mais avançada tecnologia produzida até então, o microship. Isso permitiu que sua produção e penetração pudessem ocorrer em larga escala, o que levou rapidamente à ampliação desse mercado, fazendo com que a produção de componentes microeletrônicos aumentasse quase exponencialmente. O barateamento do microship e sua larga utilização permitiram a ampliação do mercado eletrônico para o usuário comum. (ZUFFO, 1997)

No caso específico do computador, a utilização dos microchips permitiu um aproveitamento em escala muito superior de sua capacidade de processamento em relação ao que se tinha com os computadores valvulados, o que em tese permitiu o desenvolvimento de novas aplicações.

Nos anos 50 havia menos de uma dúzia de computadores eletrônicos [...]. Ninguém pensava ser necessário computadores em maior quantidade ou muito mais poderosos; [nos anos 60] foram desenvolvidos aparelhos um pouco menos monstruosos e caros – embora estritamente na qualidade de instrumentos de alta tecnologia destinados aos cientistas ou para o processamento de vencimentos nas grandes empresas. (RHEINGOLD, 1996, p. 88).

Paralelamente ao desenvolvimento da eletrônica e dos computadores, as transformações das telecomunicações foram outro fator preponderante para o estabelecimento do ciberespaço como ele se dá atualmente. Muitos apontam como o grande salto das telecomunicações o início da corrida espacial com o lançamento na órbita da terra dos satélites, abrindo caminho para as comunicações intercontinetais.

Em 1957 o lançamento do primeiro satélite artificial pelos Soviéticos, o Sputunik, levou Washinghton a alterar alguns paradigmas do financiamento da investigação [sobre o desenvolvimento dos computadores]; dois efeitos secundários directamente provocados por essa alteração foram as revoluções do computador pessoal e das comunicações mediadas por computador (IDEM).

Trataremos com mais atenção da Comunicação mediada por computador (CMC) adiante. O que chama a atenção nas passagens acima, além da redução do tamanho e aumento da potência dos computadores, é sua interligação, a princípio política, com as comunicações, sobretudo com o lançamento dos satélites.

Ao mesmo passo que isso, presenciou-se a criação de toda uma estrutura relacionada, por exemplo, a instalação e desenvolvimento de cabos de fibras ópticas, que desempenham outro papel importante na formulação atual das transformações que estamos abordando.

Isso destacou ainda mais o computador como o grande artefato que se desenvolvia na época. Além de reproduzir de forma autônoma uma série de atividades freqüentemente realizadas pelos humanos, ele era o centro onde todos os desenvolvimentos aconteciam, tudo era o computador, por meio do computador e para o computador (Kumar, 1997).
E essa sensação de que as novas tecnologias informáticas seriam o futuro não ficava restrita apenas aos centros mais diretamente ligados ao desenvolvimento técnico: ela começava a chegar ao senso comum. Não esqueçamos que vivemos num modo de produção em que as inovações devem ganhar rápida rotatividade no mercado. Desse modo os detentores desse conhecimento, sobretudo os americanos, aqueles que desenvolveram com mais afinco essa tecnologia, promoveram os computadores criando toda uma propaganda – ideológica quase sempre – em torno de seu uso, traduzidas em livros e contos de ficção, revistas especializadas, programas de televisão, instituições, entre outros.
De forma até mais séria, foram criados uma série de órgãos governamentais como a NSA – Nacional Security Agency – Agencia de Segurança Nacional – em 1952, que tinha, por exemplo, entre tantos outros objetivos, o de salvaguardar a segurança nacional contra seus inimigos, coletando e analisando informação (NSA, 2006), valendo-se de toda tecnologia disponível.

A propaganda ideológica era tão positiva que, nos Estados Unidos da década de 60, “muitas pessoas já estavam convencidas de que os computadores eram instrumentos úteis” (RHEINGOLD, 1996, p. 88). Aqueles que viveram sua infância nesse período testemunharam uma propaganda em torno do computador que dizia que se podia fazer tudo por meio dele, sinalizando para a revolução que presenciaríamos num futuro não muito distante. O seriado BATMAN produzido naquele período foi um bom exemplo disso.
Em sua batcaverna, a base secreta do herói, ficava um de seus mais poderosos “parceiros” de combate ao crime: um enorme computador (que ia até o teto da caverna, cerca de uns 7 metros de altura). Luzes piscavam, telas com gráficos e uma infinidade de botões demonstravam a complexidade daquele novo equipamento, que por sua vez se traduzia em simplicidade quando o herói inseria algumas pistas sobre o crime e o computador retornava, após uma seqüência de acender e piscar de suas luzes, o possível autor dos crimes, ou fornecia aquela dica que apenas se poderia conseguir com o computador.

Exemplos como esse mostravam o fascínio que o computador exercia nas pessoas. Ele “é o único em sua capacidade de manipular e transformar informação e, portanto, desempenhar, automaticamente e sem intervenção humana funções que antes haviam sido realizadas apenas pelo cérebro humano” (KUMAR, 1997, p. 20).

Desse modo, a série já antecipava determinadas possibilidades de uso que o computador poderia facultar – ainda que praticamente inexistentes na prática para a grande maioria das pessoas daquela época –, como auxiliar o raciocínio humano, realizar automaticamente tarefas muito difíceis, entre outras. Portanto, como exemplos ideológicos, “a tecnologia do computador serviu [...] para fazer as pessoas acreditarem que a inovação tecnológica é sinônimo de progresso humano” (POSTAMAN, 1994, p. 123), isto é, que levaria a um futuro de alguma maneira melhor.
Bem, nos ocuparemos melhor das questões acerca da ideologia um pouco adiante. Gostaríamos de continuar a expor um pouco mais a respeito do desenvolvimento técnico que culmina hoje na chamada “sociedade da informação”.


A sistematização de uma estrutura em rede como elemento central da “sociedade da informação”.


Com o passar dos anos a tendência à integração de que falamos acima se intensificou, culminando em novos processos para criar e reproduzir uma série de elementos cotidianos. Um desses processos, e talvez um dos mais importantes ao se pensar o contexto atual, foram “grandes saltos na evolução da capacidade de formação de redes” (CASTELLS, 1999, P.62).

Diversos autores pensam a questão da rede, ou do ciberespaço, muitas vezes relacionado-o apenas ao contexto mais recente, como um artefato desenvolvido a partir das tecnologias informáticas. Esse tipo de análise tem sua validade, e até certo ponto é correto, principalmente no início do século XXI, quando o uso dos computadores e da rede se tornou mais intenso. Todavia, é algo que vai além disso; não é apenas temporal. Essa é uma das argumentações que Castells desenvolve em seu livro: a idéia de que rede vai além do uso do computador fazendo parte de várias esferas da vida cotidiana.

Um outro conceito bastante interessante para dar uma noção de rede é o de Rizoma, desenvolvido por Gilles Deleuze e Felix Guattari, em Mil Platôs (1995), no qual criticam o pensamento, sobretudo ocidental, que estrutura organizacionalmente a vida pela idéia da árvore.

A idéia de árvore negada na obra é aquela de que tudo se desenvolve a partir de um mesmo tronco e, conforme as novas relações se dão, esse tronco cria novas divisões (galhos). O problema que se desenrola nesse tipo de compreensão da realidade é a idéia de divisão, separação entre as idéias (galhos), de dicotomia e hierarquia. Todo e qualquer desenvolvimento social parece ter apenas seu início relacionado com o todo, com a realidade social. Tais desenvolvimentos (ou novas relações) vão aos poucos se distanciando ao passo que o galho cresce, não retomando qualquer relação futura com o contexto social inicial. É como se cada galho mais tarde se tornasse uma coisa autônoma e descolada da realidade geral.

O mais coerente, segundo eles, é ver as coisas como um rizoma. Na biologia o rizoma é um tipo caule subterrâneo que emite uma série de raízes que se misturam. A analogia que esses autores fazem é a de que num rizoma não existe um centro pré-definido, não existem hierarquias. As múltiplas ramificações que o formam, terminam e reiniciam, se inter-relacionam em momentos diferentes, se entrecortam, se divIdem em novas e se reencontram novamente.

Ser rizomorfo é produzir frases e filamentos que parecem raízes, ou, melhor ainda, que se conectam com elas penetrando no tronco, podendo fazê-las servir a novos e estranhos usos [...] Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezz.
(Deleuze; Guatarri, 1995, p.25)

Um sistema rizomático tem seis características: Conexão e Heterogeneidade, Multiplicidade, Ruptura Assignificante, Cartografia e Decalcomania. Os dois primeiros sugerem uma idéia a respeito do rizoma como algo não hierárquico, pois o raciocínio que se desenvolve é o de que tudo está conectado em vários segmentos e contextos, de modo que não existe algo verdadeiramente importante, ou que controle as direções possíveis; se forma um complexo heterogêneo; esse todo formado por múltiplas determinações vivas e em constante mutação sugere o terceiro aspecto: o da multiplicidade.

O quarto aspecto toca num ponto importante do rizoma que é sua capacidade de desterritorialização e territorialização. Como dito acima, as múltiplas ramificações se quebram em novas (desterritorialização), as quais em algum momento se interligam com as tantas outras ramificações existentes reterritorializando novamente com a parte heterogênea que forma o rizoma, de onde se estabeleceu inicialmente a ruptura. É a criação do novo, do novo que se reencontra com aquilo que o criou, dando um novo dinamismo ao rizoma.

Quanto aos dois últimos aspectos, entendem os autores que pelo fato do rizoma estar em constante transformação é impossível se criar qualquer tipo de decalque dele, isto é, transferir uma imagem gráfica de uma superfície a outra; ele é um modelo que não se copia, pois está em constante transformação. A única forma de se tentar elaborar uma imagem do rizoma para os autores é a criação de uma cartografia dele, mas mesmo assim é uma tarefa complicada, pois deve-se sempre manter várias entrada abertas e todas elas nunca definitivas para tentar absorver as múltiplas mudanças que ocorrem no sistema.

Essa caracterização da forma como se estabelecem as relações sociais na sociedade por meio da idéia do rizoma é muitas vezes transplantada por muitos autores quando estes fazem suas análises acerca da rede e o ciberespaço. Senão vejamos: No cieberespaço

encontramos uma estrutura feita de linhas e pontos que se podem ligar a quaisquer outros, e todos estão ligados. Não existe uma hierarquia que nos obrigue a passar por um ponto específico, pelo menos a partir do momento em que estamos ligados. Os conteúdos que trocamos com outros pontos podem ser de natureza diversa ou até podemos não trocar nada. Também na Internet o que existe é uma multiplicidade sem qualquer unidade axial que nos condicione as linhas de contacto ou de fuga. A ruptura não se traduz no fim de uma ligação, mas na produção de outra ligação, a procura de um novo endereço. Qualquer tentativa de cartografar a Internet revela-se infrutífera. A sua constante mutação inviabiliza qualquer representação estáctica. O acentralismo do Rizoma é verificável na Internet. Apesar de algumas tentativas recentes, não há ainda nenhum General que comande a estrutura e hierarquize as ligações (TEÓFILO, 1998, p.01)

Essa citação exemplifica que a idéia de rede ou ciberespaço desenvolvida por muitos autores toca na lógica do sistema rizomático. Ao desenvolverem suas teses acerca do ciberespaço, se apropriam desse raciocínio. Essa relação parece ser possível nesses autores porque o ciberespaço é entendido como uma nova forma de organização social, e o modelo do rizoma é também uma forma de explicar como a sociedade se estrutura (ou deveria se estruturar). O que se vive hoje, segundo algumas dessas análises que toma o rizoma como base explicativa, é que o ciberespaço é, na verdade, uma forma de organização social que é fruto das várias relações travadas na história que culminaram nessa ramificação específica.

O risco desse tipo de análise (positivista), que associa o social ao biológico - como é o caso desses autores – é tomar a realidade social – que é complexa, heterogênea e, particularmente contraditória – na funcionalidade abstrata.

Não é a toa que as novas ramificações que surgem dos vários cruzamentos do rizoma parecem surgir como algo natural, espontâneo. O rizoma “não tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda” (IDEM). Nesse sentido, o transbordamento é fruto de simples movimentos mecânicos. Independente da forma com que esses ramos se tocam, eles formaram novas determinações, não importa o motivo; o rizoma, podemos dizer, vale mais como uma ideologia, até mesmo de caracterização do ciberespaço.

Já Lévy, ao caracterizar o ciberespaço em As Tecnologias da Inteligência (1997), o discute a partir do conceito de hipertexto. Segundo o autor, o hipertexto é um texto no qual é possível se criar vínculos com uma série de outras formas de conteúdos digitais: podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos, seqüências sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertexto. É como uma página da web que remete a outras páginas e documentos e assim indefinidamente. Assim, quando se inicia uma navegação, não se sabe onde se vai parar, pois a multiplicidade de conteúdos disponíveis pode levar a qualquer lugar, ao nada ou a algo surpreendente. Quer dizer, é como o rizoma, não se sabe que tipos de novas experiências vão se criar ao se enveredar na multiplicidade da rede.

Para caracterizar o hipertexto (fundamental para a caracterização do ciberespaço) Levy também recorre a seis características (1997, pg. 25): a metamorfose (os conteúdos do hipertexto estão em constante transformação), a heterogeneidade (múltiplos conteúdos e discursos formam o hipertexto), o Princípio de multiplicidade e de encaixe das escalas (de modo geral remetendo à característica do hipertexto como em sua parcela mais simples dentro de uma estrutura maior: a rede), a exterioridade (os vários fatores externos que fazem a rede crescer em quantidade e qualidade), a topologia (na qual prevê que um mapeamento da rede por meio dos hiperlinks, que é o que forma a rede) e o princípio de mobilidade dos centros (o que prevê que a rede não tem um centro definido de controle ou organização).

Enfim, percebemos nessa caracterização de rede elaborada por Levy a aparição das muitas idéias desenvolvidas no modelo rizomático. Como dissemos, esse modelo, apesar de tocar em características interessantes no âmbito do ciberespaço, deixa o motor das transformações e a noção de processo nas diversas formas de sociabilidade, seja ela eletrônica ou não, intocadas.

Desse modo, não adotamos a idéia do rizoma por acreditarmos que as novas formas de interação social surgem de contextos e desenvolvimentos sociais específicos. É sobre isso que Alves (2003) vai nos alertar sobre o momento atual em que se desenvolve a estrutura de rede, do ciberespaço: ele é a nova forma criada pelo capitalismo de engendrar a produção e reprodução da sociedade moderna.

Em outro texto, Alvez (2000) fala mais detalhadamente dessa relação. Nele o autor expõe que o desenvolvimento do ciberespaço é um processo importante da comunicação telemática que ganhou força a partir dos anos 80 do século XX, servindo como ponto de apoio para a mundialização do capital (globalização), sobretudo aquela apoiada nos crescentes fluxos de capital financeiro, umas das principais características do capitalismo atual. O autor acredita que exista uma íntima relação entre a financeirização e o avanço do ciberespaço, afinal aquele depende deste para que todo seu dinamismo funcione perfeitamente. Como coloca Santos:

É a partir da unicidade das técnicas, da qual o computador é uma peça central, que surge a possibilidade de existir uma finança universal, principal responsável pela imposição da todo um globo de uma mais-valia universal. Sem ela, seria também impossível a atual unicidade do tempo, o acontecer local sendo percebido como um elo do acontecer mundial (SANTOS, Apud CRUZ, S/D)

De modo geral, o que se quer sugerir é que realmente vivemos em um sistema cada vez mais fluído, formada sim por uma dinâmica múltipla, mas que não necessariamente crie as rupturas por si mesmas de forma autônoma; não se quer negar que cada vez mais fazemos parte de um sistema heterogêneo e de constante mudança, seja ele digital ou não, mas que esse sistema não é um sistema realmente sem controle ou sem direção, mas que em nosso entendimento é dado pela dinâmica – política, social e econômica – da sociedade capitalista. Por isso, sugerimos que é possível demonstrar a intima relação entre o desenvolvimento do ciberespaço e a manutenção da sociedade capitalista tendo a rede como seu suporte principal.

Não é nosso objetivo fazer uma análise profunda desse argumento, até mesmo porque Alves (e outros autores) já a faz nos textos citados, mas não podemos deixar de retomá-la em outros momentos, principalmente quando nosso objetivo é o de discutir que tipos de uso se faz da rede em nossa sociedade atualmente além de como e de que modo ela oferece novas formas de sociabilidade (talvez transformando muitas das tradicionais), podendo, inclusive, servir como possível elemento emancipador.

Antes de empreender essa discussão, gostaríamos de voltar um pouco nossa atenção para esse aspecto histórico do desenvolvimento das técnicas fundadoras das tecnologias do ciberespaço, a fim de caracterizar melhor nosso objeto.

Atualmente, os serviços relacionados à rede e a estrutura de seu funcionamento é algo que cada vez mais está ao alcance das pessoas. Entretanto, seu desenvolvimento inicial teve um caráter mais restrito, pois ele estava atrelado aos interesses governamentais e militares:

É difícil estabelecer a paternidade do computador moderno, já que boa parte das idéias e do trabalho desenvolveu-se nos Estados Unidos e Grã-Bretanha durante a Segunda Guerra Mundial, sob o manto do sigilo de guerra (GATES, 1995, p. 37).

Nos anos de 60 e 70 a Agência de Projetos de Investigação Avançada (ARPA) do Departamento de Defesa Americano financiou um pequeno grupo de programadores e engenheiros de eletrônica pouco ortodoxos com o objetivo de reformular todo o processo de operação dos computadores (RHEINGOLD, 1996, p. 88).

Esse pequeno grupo estava espalhado em laboratórios como o MIT - Massachusetes Institute of Technology –, atualmente um dos mais renomados institutos de tecnologia no mundo, e algumas faculdades de tecnologia americana. Desse modo, entre tantos trabalhos em diversas vertentes da informática, foi desenvolvida a primeira rede de computadores quando esses pesquisadores da ARPA interligaram entre si seus computadores para trocarem informação e conhecimento. (RHEINGOLD, 1996)

A preocupação militar e política gerada a partir da guerra fria era a de dominar a tecnologia de ponta, que agora tinha trocado de mãos, isto é, passou para os Russos quando estes lançaram o Sputinik e levaram o primeiro homem ao espaço.
Para o governo americano a possibilidade de um sistema de rede que permitisse que as informações contidas nos computadores conectados pudessem ser acessadas de qualquer um dos computadores ligados a ela e a qualquer momento era muito interessante, pois seria possível ter um sistema operante ininterruptamente, mesmo em caso de uma guerra nuclear, por exemplo.

Por isso, nessa rede, não era interessante existir um comando central de informação e controle, afinal um ataque direto a esse centro impediria qualquer forma de acesso à informação. Desse modo, todos integravam e contribuíam de alguma maneira para a totalidade da mesma. As informações eram dispersas e não centralizadas em um só computador (ERCÍLIA... S/D).

Como tal ataque nunca aconteceu, a tecnologia desenvolvida foi sendo ampliada, e sua expansão para outras esferas que não as acadêmicas, de pesquisa ou militares se estabeleceu. Logo, outras redes foram criadas, inclusive, em outros continentes e em empresas particulares.

a Internet se popularizou muito no meio acadêmico e na contracultura antes de chegar ao grande público. A verdade é que houve um "espírito comunitário" muito forte na criação da rede, que por muito tempo guiou as ações das pessoas. Anteriormente o público da Internet era composto por estudantes e pesquisadores, mais interessados em trocar experiências e satisfazer a curiosidade dos demais do que em usar a rede para auferir lucros (CRUZ, S/D, p.01)

Aos poucos essas empresas privadas como AT&T, que antes desprezaram a tecnologia de rede, começaram a criar suas redes, percebendo que estas potencialmente iriam gerar lucros, de modo que os interesses comerciais passaram aos poucos a dominar o cômputo geral de redes existentes.

Em parte essa saída da rede do controle acadêmico/militar também se explica pelo fato de que com o passar do tempo os pesquisadores foram deixando o projeto original e criando suas próprias empresas de informática, trazendo, é claro, o conhecimento adquirido no projeto e desenvolvendo novas idéias.
Ao mesmo passo, outras instituições foram sendo agregadas à rede, como a Nasa (1971). Ainda na década de 70 essa rede amplia-se chegando ao continente europeu – que já contavam com redes próprias –, com conexões na Inglaterra e Noruega (INTRODUÇÃO... S/D).

Historicamente, portanto, essa primeira rede foi criada no período da guerra-fria, com a preocupação de que caso um ataque nuclear fosse dirigido aos EUA, informações vitais não seriam perdidas e poderiam ser acessadas de qualquer ponto da rede.
Por meio de uma série de investimentos, agora não apenas governamentais, mas de várias empresas particulares que vislumbravam possibilidades de ganho nesse novo mercado capitalista que surgia, as redes foram se generalizando em muitos pontos do globo. Cada uma possuía seus parâmetros de funcionamento e a compatibilidade entre elas não era algo comum.

Visando a uma integração cada vez maior entre as várias redes autônomas existentes, foram criadas formas de facilitar “sua comunicação”, como o desenvolvimento de protocolos universais de comunicação – como o TCP/IP, por exemplo. Mais tarde, conforme a rede ia chegando ao usuário comum, softwares de navegação, ou browsers – Internet Explorer, por exemplo – e linguagens de programações voltadas para esses softwares – HTML, por exemplo – foi possível que as redes pudessem se interligar e compartilhar documentos e informações sem qualquer problema de compatibilidade, tornando possível dessa maneira a troca de informações entre elas de forma muito generalizada.

Nesse momento, um processo de agregação entre redes teve início, formando-se uma rede geral, sem comando central. Daí vem o nome de Internet – INTER NET ou rede internacional –, conhecida por rede das redes, exatamente pelo fato de integrar uma infinidade de redes menores ligadas umas às outras no mundo todo, formando a Aldeia Global (Mcluhan, 1989), ou a Era da Informação / Sociedade em Rede (Castells, 1998) ou a Sociedade Informática (Adam Schaff, 1997), a rede / infovias da informação (CEBRIAN, 1998), a vida digital (NEGROPONTE, 1995), o mercado informacional (DERTOUZOS, 1997) ou a superestrada da informação (GATTES, 1995) entre muitos outros neologismos que, se fossemos citar todos, encheríamos mais de uma página, mas que na verdade representam uma só lógica.

A Internet é o exemplo atual mais prático de integração em rede; ela é um dos principais suportes técnicos do ciberespaço. Na verdade, a Internet que se conhece hoje é a fase atual do desenvolvimento de uma estrutura muito explorada no mundo da ficção, mas que parece se tornar idêntica a ela a cada dia que passa. Essa estrutura, em muitos aspectos, já funciona e vai, segundo alguns dos autores que citamos acima, transformar em muito pouco tempo todo o modo de vida que o ser humano desenvolveu até então.

Desse modo, a Internet de que falamos no início do século XXI é apenas a forma atual de um processo que se iniciou algumas décadas atrás e tenderá ainda a ser muito mais complexo.

A digitalização como elemento de homogeneização dos conteúdos

A formação das redes permitiu que uma quantidade enorme de dados pudesse trafegar longas distâncias por meio de ondas elétricas (cabos em geral) e ondas de rádio (por satélite), por um preço muito baixo, quando comparado com outras formas de se transmitir a mesma quantidade de informação.

Mas isso tudo não seria possível no que se refere às redes de computadores atuais se, além do desenvolvimento de tudo que citamos, não atentássemos para uma outra característica marcante deste processo: a digitalização das informações. Segundo Negroponte (1995) – um dos fundadores do laboratório de multimeios do MIT –, para entender melhor esse aspecto é necessário que entendamos a diferença entre bits e átomos.

Imerso no conceito de digital e virtual, o autor estende o conceito de átomo, dizendo que “a maior parte das informações que chega ao homem acontece na forma de átomos, isto é, jornais, revistas, livros [cartas, Cd´s, fitas de vídeo, entre outros]” (Negroponte, 1995, p.17). Entretanto, com a ampliação do sistema de informação sem fio, da informática, etc., a tendência é de que em breve tudo isso seja transformado em bits, isto é, em formato digital.

Esse processo fica mais claro nesse exemplo de LEVY:

O leitor de um livro ou de um artigo de papel se confronta com um objeto físico [...]. O suporte digital (disquete, disco rígido, disco ótico) não contém um texto legível para os humanos, mas uma série de códigos informáticos que serão eventualmente traduzidos por um computador em sinais alfabéticos para um dispositivo de apresentação.
(LEVY, 1996, p.39)

Desse modo, quando digitamos um texto num software para essa função, o computador armazena essa informação num sistema binário , um sistema de códigos universais que pode ser compartilhado por praticamente qualquer computador que faça a interpretação desse código digital. O mesmo acontece quando escaneamos uma fotografia e a inserimos no computador, ou quando imprimimos um texto qualquer estocado na máquina.

Na rede, portanto, esse tipo de informação digital pode trafegar à vontade de um dispositivo para outro, não importa a distância e o horário, nem mesmo o conteúdo, desde que esteja nesse código universal. “Uma rede eletrônica mundial de bibliotecas, arquivos e bancos de dados surgiu, teoricamente acessível a qualquer pessoa, em qualquer lugar, a qualquer momento” (KUMAR, 1997, p. 22)

A tendência é que todos que usarem a rede, de alguma forma, interajam entre si trocando informações digitais, seja por meio do computador ou qualquer outro aparelho que possibilite a conexão, dando acesso a serviços e formas de expressão de qualquer tipo: a filmes, a músicas, a notícias escritas e faladas, a diálogos em tempo real com outras pessoas, a compras, aos estudos, a visitas aos mais diversos lugares, como uma exposição ao museu, pagamentos, entre outras coisas, de modo que a experiência física seja cada vez mais minimizada em favor de experiências mediadas por formatos digitais. É como um telefone, só que em vez de apenas sons transformados em sinais elétricos e vice-versa, outras coisas podem ser transmitidas.

De modo geral ainda é pequeno o tráfego de informações digitais, todavia, a tendência que se percebe é a de expansão, tanto quantitativa, quanto qualitativamente, em vista do seu barateamento e de seu acesso por meio de formas de custo também relativamente baixo, como um celular, por exemplo.

Uma situação prática da aplicação da rede, que chega à pessoas de baixíssima renda, são os programas assistenciais como o bolsa escola ou fome zero, em que o usuário recebe um cartão e senha para retirar por meio da rede seu benefício.

É claro que não estamos desprezando os problemas e os interesses econômicos por trás da rede. Muito menos aceitando que seus benefícios ou os melhores serviços estarão à disposição de todos ou que a rede será menos excludente do que qualquer outro desenvolvimento sócio-técnico criado no bojo do capitalismo. O que queremos deixar claro com este exemplo é que a rede, em maior ou menor escala, já é uma realidade até mesmo entre aqueles que fazem parte de programas assistenciais do governo. “A revolução da informação é uma realidade e estamos nela. Afetou como vemos o mundo e como vivemos nele” (KUMAR, 1997, p.171)

BIBLIOGRAFIA

ALVES, Giovanni (Org.). O outro Virtual: ensaios sobre a internet. São Paulo: Práxis, 2000.

________________. Dialética do Ciberespaço. São Paulo: Práxis, 2002.

________________. Ciberespaço como cooperação complexa – notas sobre trabalho, técnica e civilização. In: Trabalho, Economia e Tecnologia: Novas Perspectivas para a Sociedade Global / Jorge Alberto S. Machado (organizador). - São Paulo: Tendenz; Bauru: Praxis, 2003. p. 115-132

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e terra, 1999, V.1.

CRUZ, Leonardo R.: Ciberespaço e Contestação Política: o caso do Centro de Mídia Independente (CMI). CIBERSOCIEDAD. Disponível em < http://www.cibersociedad.net/congres2004/grups/fitxacom_publica2.php?grup=31&id=23&idioma=es>. Acesso em: mar. 2005

DELEUZE, Gilles ; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia Vol 1. São Paulo: Ed. 34, 1995

ERCÍLIA, M. Pequena História da Internet. S/D. Mundo Digital. Disponível em . Acesso em 27 abr 2003.

A EVOLUÇÃO da informática 2002 (site descontinuado)

GATES, Bill. A Estrada do Futuro. São Paulo: Cia da Letras, 1995.

INTRODUÇÃO a Internet. S/D. Educare. Disponível em . Acesso em 12 maio 2003.

KUMAR, Krishan. Da sociedade pós-industrial à sociedade pós-moderna. Rio de Janeiro: Jorje Zahar Ed., 1997.

LÉVY, Piere. Cibercultura. Trad.por Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1999.

______. As Tecnologias da Inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. São Paulo : Editora 34, 1997.

______. A Inteligência Coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola. 1998.

______. O que é virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.

NEGROPONTE, Nicholas. A vida Digital. São Paulo: Cia das Letras, 1995.

NSA. National Security Agency. Disponível em: Acesso em fev. 2006.

POSTAMN, Neil. Tecnopólio São Paulo: Nobel, 1994.

RHEINGOLD, Howard,. A Comunidade Virtual. Lisboa: Gradativa , 1996.

TEÓFILO, Fernando: Tubérculos Capitalismo Esquizofrenia e a Internet Segundo Deleuze e Guattari. UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR. 1998 Disponível em . Acesso em: mar. 2005

ZUFFO, João A. A Infoera: o imenso desafio do futuro: o Progresso Técnico. São Paulo: Ed. Saber, 1997.