domingo, 15 de junho de 2008

Ciberespaço, a ambigüidade do concreto e do abstrato

Marcelo Solé Wanderley

Estudar e conhecer as origens do ciberespaço e as conseqüências de sua existência é importante para compreendermos como espaço e sociedade estão organizados atualmente.
O meio técnico científico informacional é o requisito para a criação das redes técnicas de computadores (concreto), as quais, através de seus fluxos, geram o ciberespaço (abstrato). Esta distinção entre concreto e abstrato é apenas um recurso inicial para distinguir os fixos dos fluxos, pois como veremos no decorrer do trabalho, o ciberespaço é composto de, ao mesmo tempo, elementos concretos e abstratos.
Entendemos o meio técnico-científico informacional como o período em que o homem não utiliza apenas o que a natureza disponibiliza, como no meio natural. Também não é apenas uma mecanização do território, como no meio técnico. Entendemos que as mudanças inferidas no território não são atribuídas apenas à máquinas, por mais modernas que elas sejam. O meio técnico-científico informacional vai além

Neste período, os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais, já que, graças à extrema intencionalidade de sua produção e de sua localização, eles já surgem como informação; e, na verdade, a energia principal de seu funcionamento é também a informação (SANTOS, 2002, p.238).

Neste contexto, temos a formação das redes , que normalmente têm as suas definições dividas em duas matrizes: “a que apenas considera o seu aspecto, a sua realidade material, e uma outra, onde é também levado em conta o dado social”. (SANTOS, 2002, p.262)

Neste trabalho concordamos que devemos estudar as redes levando-se em consideração tanto a realidade material da rede (concreto) quanto o dado social (abstrato), pois, só assim, conseguiremos refletir o real significado das redes. Pois elas apresentam uma infra-estrutura, que contém, entre outros equipamentos, cabos submarinos e satélites. Mas também são “... social e política, pelas pessoas, mensagens, valores que a freqüentam. Sem isso, e a despeito da materialidade com que se impõe aos nossos sentidos, a rede é, na verdade, uma mera abstração” (SANTOS, 2002, p.262).

Com a criação e a utilização da infra-estrutura, os fixos, surgem os fluxos, que são
as trocas de informação. Da interação entre fixos e fluxos cria-se o ciberespaço, que é entendido por nós como

... uma dimensão da sociedade em rede, onde os fluxos definem novas formas de relações sociais.... as relações sociais no ciberespaço apesar de virtuais, tendem a repercutir ou concretizar-se no mundo real. Marca, portanto um novo tipo desociedade. (TANCMAN)

O título desse trabalho “Ciberespaço, a ambigüidade do concreto e do abstrato” reflete essa relação. O ciberespaço é muito mais que computadores conectados. Ele precisa que esta rede seja utilizada, que ela gere fluxos. Sem isso ele não existe.

O ciberespaço traz em seu bojo muito mais do que a troca de informações por redes de computadores. Devido a velocidade com que essas trocas se efetuam todo um paradigma e uma relação tempo / espaço é modificada. David Harvey , em 1993, já nos alertava sobre essa mudança, a qual, ele chamou de compressão espaço temporal e Tancman nos explica a seguir:

a velocidade dos media eletrônicos instaura uma nova forma de experienciar o tempo, substituindo a noção de tempo-duração por tempo-velocidade e a instantaneidade das relações sociais. O tempo permeado pelas novas tecnologias eletrônico-comunicacionais é marcado pela presentificação, ou seja, pela interatividade on-line, de fato constatado nas tecnologias de telepresença em tempo real que alteram nosso sentido cultural de tempo e espaço. (TANCMAN, 2004)

O progresso da técnica observado no meio técnico científico informacional em conjunto com a compressão espaço / tempo e com o uso das redes pelos agentes capitalistas, modificaram a sociedade até um ponto que temos de concordar com Castells quando ele anuncia que a sociedade atual é a sociedade informacional. Uma sociedade onde a informação não é apenas utilizada (todas as sociedades a utilizam), na sociedade informacional “... o processamento e a transmissão da informação tornam-se as fontes fundamentais de produtividade e poder devido às novas condições tecnológicas surgidas nesse período histórico”. (CASTELLS, 2000, p.46)

O ciberespaço modifica a sociedade, o trabalho, o lazer e o relacionamento entre as pessoas. Uma reunião de trabalho não necessita que os presentes estejam em uma mesma sala, existe a teleconferência. Adolescentes se reúnem para jogar War pela Internet. Eles jogam com pessoas que, talvez, nem conheçam. Mas como o espaço é afetado e afeta a sociedade na passagem de uma sociedade industrial para uma sociedade informacional?

A transição, na década de 1970, do meio técnico para o meio técnico-científico informacional não pode ser vista apenas como desenvolvimento tecnológico. O entendimento das conseqüências desta mudança é o que nos permite compreender as atuais relações do homem com o território e a ascensão da produção flexível em substituição ao modo fordista de produção. Esta transição modificou o território, que sofreu um processo de cientificização e tecnicização e informacionalização, conforme Milton Santos nos explica

Os espaços assim requalificados atendem sobretudo aos interesses dos atores hegemônicos da economia, da cultura e da política e são incorporados plenamente às novas correntes mundiais. O meio técnico-científico informacional é a cara geográfica da globalização (SANTOS, 2002, p.239).

Neste momento é interessante reforçarmos a noção que as redes são a base física para o ciberespaço, e em alguns trechos do nosso trabalho rede e ciberespaço podem ser entendidos como sinônimos. Assim, veremos a seguir como Milton Santos relaciona redes ou ciberespaço com espaço:

As redes são a condição da globalização e a quintessência do meio técnico-científico informacional. Sua qualidade e quantidade distinguem as regiões e lugares, assegurando aos mais bem dotados uma posição relevante e deixando aos demais uma condição subordinada. São os nós dessas redes que presidem e vigiam as atividades mais características deste nosso mundo globalizado (SANTOS, 2002b, p.82).

Esta dinâmica cria distorções e diferenciações no espaço, tanto nos países centrais, como nos países periféricos. Áreas mais ou menos desenvolvidas ou espaços luminosos e espaços opacos, são identificados na medida em que

Chamaremos de espaços luminosos aqueles que mais acumulam densidades técnicas e informacionais, ficando assim mais aptos a atrair atividades com maior conteúdo em capital, tecnologia e organização. Por oposição, os subespaços onde tais características estão ausentes seriam os espaços opacos (SANTOS, 2002a, p. 264).

Além das distorções entre países centrais e países periféricos, existe a distorção
dentro dos próprios países, conforme Castells

Dentro dos países, há também grandes diferençasespaciais na difusão do uso da Internet. As áreas urbanas vêm em primeiro lugar, seja em países desenvolvidos ou em desenvolvimento, e as áreas rurais e as pequenas cidades ficam consideravelmente para trás em seu acesso ao novo meio [...] O atraso na difusão da Internet em áreas rurais foi observado nos Estados Unidos, na Europa, e mais ainda, nos países em desenvolvimento (CASTELLS, 2003, p.174).

O meio técnico científico informacional, como vimos, modificou e continua modificando o espaço e a sociedade. As redes, e consequentemente, o ciberespaço são um dos grandes expoentes do meio técnico atual. Por isso não podem ser desprezados ou ignorados em estudos sobre espaço, trabalho ou lazer.
Se, como alguns estudiosos acreditam, a Geografia não deve ou não tem recursos teóricos para estudar o ciberespaço – o que nós não concordamos – é interessante reler um dos mais importantes geógrafos brasileiros:

Cada vez que as condições gerais de realização da vida sobre a terra se modificam, ou a interpretação de fatos particulares concernentes à existência do homem e das coisas conhece evolução importante, todas as disciplinas científicas ficam obrigadas a realinhar-se para poder exprimir, em termos de presente e não mais de passado, aquela parcela de realidade total que lhes cabe explicar (SANTOS, 2002c, p.18)

BIBLIOGRAFIA

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo. Paz e Terra. 2000

________________ A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003

SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Editora Record, 2002a.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2002.

______________. O país distorcido: o Brasil, a globalização e a cidadania. São Paulo: Publifolha, 2002b.

______________. Por uma geografia nova. São Paulo: Edusp, 2002c. TANCMAN, Michéle. A territorialidade do ciberespaço.

________________ Exclusão digital e ciberespaço no ensino de geografia: o relato de uma experiência. 2004.

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