domingo, 1 de junho de 2008

AS PRINCIPAIS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS QUE PROPICIARAM O DESENVOLVIMENTO DO CIBERESPAÇO

Por: Alex Antonio Bresciani

O desenvolvimento técnico do ciberespaço

De acordo com diversos autores, desde o pós-guerra tem havido implementação e desenvolvimento de uma série de tecnologias que parecem estar alterando significativamente nossa maneira de viver.

É difícil separar as várias etapas e técnicas responsáveis por essas mudanças, pois cada uma delas de alguma forma depende do desenvolvimento da outra para estabelecer sua fixação. Como aponta Postman (1994),

o computador, como o conhecemos hoje, teve de esperar uma variedade de outras descobertas e invenções, inclusive do telégrafo, do telefone e a aplicação da álgebra booleana no circuito baseado com relê, resultando na criação do circuito digital lógico (p.116)

Seguindo uma mesma linha de pensamento, mas relacionando o momento atual com outra fase de desenvolvimento produtivo da sociedade, Kumar (1997), afirma:

na verdade, a “sociedade da informação” já estava posta no início da revolução industrial com o surgimento do telefone, da fotografia, do telégrafo, entre outras, entretanto, outras transformações na época ganharam mais impulso, como as máquinas a vapor e a eletricidade
(IDEM, p.30)

De modo geral, podemos dizer que a base do que se convencionou chamar de ciberespaço ou “sociedade da informação” não é exatamente algo novo, mas sim algo que já se desenvolvia de maneira tímida se comparando ao que temos hoje.

Mesmo tendo sua base alguns séculos atrás, a “sociedade da informação” que temos hoje se assenta em três pilares básicos da história do desenvolvimento tecnológico: o desenvolvimento da microeletrônica (transistores, processadores de informação, entre outros), o desenvolvimento da informática (hardware e software) e a das telecomunicações (satélites, fibras ópticas).

No que se refere aos computadores, podemos marcar a década de 1940 como o momento inicial de seu uso e desenvolvimento, quando a microeletrônica ainda estava na prancheta de projetos de várias pesquisas. Precisamente em 1941, o primeiro computador eletro-mecânico (Z3) foi desenvolvido e utilizava-se de válvulas e motores para funcionar. (EVOLUÇÃO..., S/D).

Pesados e dispendiosos, os computadores serviam basicamente para a realização de cálculos - para cálculo do ajuste da trajetória de canhões, por exemplo, durante a segunda guerra. A partir dos anos 50 o desenvolvimento tecnológico também foi impulsionado pelo acirramento da guerra fria e da corrida espacial, de modo que novos modelos foram surgindo. (CASTELLS, 1999).

O que queremos ressaltar no momento é que com o passar dos anos, a utilização do computador superou essa qualidade inicial – de servir como potente calculadora. A evolução da microeletrônica e o barateamento de uma série de componentes não só potencializou sua velocidade e capacidade de cálculo, como favoreceu a sistematização de novas aplicações de ordem técnica e cotidiana (KUMAR, 1997). Atualmente, sua característica mais evidenciada é a de facilitar aos indivíduos a realização de suas atividades mais comuns e de permitir o acesso a uma série de atividades novas, como ao conhecimento, além de proporcionar mais lazer, entre outras tantas atividades. A tendência é se expandir mais tanto em quantidade de aplicações como de serviços. (ZUFFO, 1997).

O mais marcante nesse desenvolvimento talvez tenha sido “o advento do microprocessador em 1971, com capacidade de incluir um computador em um chip, [o que] pôs o mundo da eletrônica e, sem dúvida, o próprio mundo, de perna para o ar” (CASTELLS, 1999, p.61).

Nesse momento, a área da microeletrônica recebia pesados investimentos, de modo que os circuitos desenvolvidos a partir de então se espalharam por outras áreas da eletrônica. Assim, aparelhos que usavam grandes circuitos ou válvulas, como a televisão, foram melhorados pelos chips.

A indústria da microeletrônica encontrou uma demanda de mercado já pronta, isto é, uma base instalada de produtos de consumo que já integrava a vida das pessoas (como televisores), e que seriam melhorados com a mais avançada tecnologia produzida até então, o microship. Isso permitiu que sua produção e penetração pudessem ocorrer em larga escala, o que levou rapidamente à ampliação desse mercado, fazendo com que a produção de componentes microeletrônicos aumentasse quase exponencialmente. O barateamento do microship e sua larga utilização permitiram a ampliação do mercado eletrônico para o usuário comum. (ZUFFO, 1997)

No caso específico do computador, a utilização dos microchips permitiu um aproveitamento em escala muito superior de sua capacidade de processamento em relação ao que se tinha com os computadores valvulados, o que em tese permitiu o desenvolvimento de novas aplicações.

Nos anos 50 havia menos de uma dúzia de computadores eletrônicos [...]. Ninguém pensava ser necessário computadores em maior quantidade ou muito mais poderosos; [nos anos 60] foram desenvolvidos aparelhos um pouco menos monstruosos e caros – embora estritamente na qualidade de instrumentos de alta tecnologia destinados aos cientistas ou para o processamento de vencimentos nas grandes empresas. (RHEINGOLD, 1996, p. 88).

Paralelamente ao desenvolvimento da eletrônica e dos computadores, as transformações das telecomunicações foram outro fator preponderante para o estabelecimento do ciberespaço como ele se dá atualmente. Muitos apontam como o grande salto das telecomunicações o início da corrida espacial com o lançamento na órbita da terra dos satélites, abrindo caminho para as comunicações intercontinetais.

Em 1957 o lançamento do primeiro satélite artificial pelos Soviéticos, o Sputunik, levou Washinghton a alterar alguns paradigmas do financiamento da investigação [sobre o desenvolvimento dos computadores]; dois efeitos secundários directamente provocados por essa alteração foram as revoluções do computador pessoal e das comunicações mediadas por computador (IDEM).

Trataremos com mais atenção da Comunicação mediada por computador (CMC) adiante. O que chama a atenção nas passagens acima, além da redução do tamanho e aumento da potência dos computadores, é sua interligação, a princípio política, com as comunicações, sobretudo com o lançamento dos satélites.

Ao mesmo passo que isso, presenciou-se a criação de toda uma estrutura relacionada, por exemplo, a instalação e desenvolvimento de cabos de fibras ópticas, que desempenham outro papel importante na formulação atual das transformações que estamos abordando.

Isso destacou ainda mais o computador como o grande artefato que se desenvolvia na época. Além de reproduzir de forma autônoma uma série de atividades freqüentemente realizadas pelos humanos, ele era o centro onde todos os desenvolvimentos aconteciam, tudo era o computador, por meio do computador e para o computador (Kumar, 1997).
E essa sensação de que as novas tecnologias informáticas seriam o futuro não ficava restrita apenas aos centros mais diretamente ligados ao desenvolvimento técnico: ela começava a chegar ao senso comum. Não esqueçamos que vivemos num modo de produção em que as inovações devem ganhar rápida rotatividade no mercado. Desse modo os detentores desse conhecimento, sobretudo os americanos, aqueles que desenvolveram com mais afinco essa tecnologia, promoveram os computadores criando toda uma propaganda – ideológica quase sempre – em torno de seu uso, traduzidas em livros e contos de ficção, revistas especializadas, programas de televisão, instituições, entre outros.
De forma até mais séria, foram criados uma série de órgãos governamentais como a NSA – Nacional Security Agency – Agencia de Segurança Nacional – em 1952, que tinha, por exemplo, entre tantos outros objetivos, o de salvaguardar a segurança nacional contra seus inimigos, coletando e analisando informação (NSA, 2006), valendo-se de toda tecnologia disponível.

A propaganda ideológica era tão positiva que, nos Estados Unidos da década de 60, “muitas pessoas já estavam convencidas de que os computadores eram instrumentos úteis” (RHEINGOLD, 1996, p. 88). Aqueles que viveram sua infância nesse período testemunharam uma propaganda em torno do computador que dizia que se podia fazer tudo por meio dele, sinalizando para a revolução que presenciaríamos num futuro não muito distante. O seriado BATMAN produzido naquele período foi um bom exemplo disso.
Em sua batcaverna, a base secreta do herói, ficava um de seus mais poderosos “parceiros” de combate ao crime: um enorme computador (que ia até o teto da caverna, cerca de uns 7 metros de altura). Luzes piscavam, telas com gráficos e uma infinidade de botões demonstravam a complexidade daquele novo equipamento, que por sua vez se traduzia em simplicidade quando o herói inseria algumas pistas sobre o crime e o computador retornava, após uma seqüência de acender e piscar de suas luzes, o possível autor dos crimes, ou fornecia aquela dica que apenas se poderia conseguir com o computador.

Exemplos como esse mostravam o fascínio que o computador exercia nas pessoas. Ele “é o único em sua capacidade de manipular e transformar informação e, portanto, desempenhar, automaticamente e sem intervenção humana funções que antes haviam sido realizadas apenas pelo cérebro humano” (KUMAR, 1997, p. 20).

Desse modo, a série já antecipava determinadas possibilidades de uso que o computador poderia facultar – ainda que praticamente inexistentes na prática para a grande maioria das pessoas daquela época –, como auxiliar o raciocínio humano, realizar automaticamente tarefas muito difíceis, entre outras. Portanto, como exemplos ideológicos, “a tecnologia do computador serviu [...] para fazer as pessoas acreditarem que a inovação tecnológica é sinônimo de progresso humano” (POSTAMAN, 1994, p. 123), isto é, que levaria a um futuro de alguma maneira melhor.
Bem, nos ocuparemos melhor das questões acerca da ideologia um pouco adiante. Gostaríamos de continuar a expor um pouco mais a respeito do desenvolvimento técnico que culmina hoje na chamada “sociedade da informação”.


A sistematização de uma estrutura em rede como elemento central da “sociedade da informação”.


Com o passar dos anos a tendência à integração de que falamos acima se intensificou, culminando em novos processos para criar e reproduzir uma série de elementos cotidianos. Um desses processos, e talvez um dos mais importantes ao se pensar o contexto atual, foram “grandes saltos na evolução da capacidade de formação de redes” (CASTELLS, 1999, P.62).

Diversos autores pensam a questão da rede, ou do ciberespaço, muitas vezes relacionado-o apenas ao contexto mais recente, como um artefato desenvolvido a partir das tecnologias informáticas. Esse tipo de análise tem sua validade, e até certo ponto é correto, principalmente no início do século XXI, quando o uso dos computadores e da rede se tornou mais intenso. Todavia, é algo que vai além disso; não é apenas temporal. Essa é uma das argumentações que Castells desenvolve em seu livro: a idéia de que rede vai além do uso do computador fazendo parte de várias esferas da vida cotidiana.

Um outro conceito bastante interessante para dar uma noção de rede é o de Rizoma, desenvolvido por Gilles Deleuze e Felix Guattari, em Mil Platôs (1995), no qual criticam o pensamento, sobretudo ocidental, que estrutura organizacionalmente a vida pela idéia da árvore.

A idéia de árvore negada na obra é aquela de que tudo se desenvolve a partir de um mesmo tronco e, conforme as novas relações se dão, esse tronco cria novas divisões (galhos). O problema que se desenrola nesse tipo de compreensão da realidade é a idéia de divisão, separação entre as idéias (galhos), de dicotomia e hierarquia. Todo e qualquer desenvolvimento social parece ter apenas seu início relacionado com o todo, com a realidade social. Tais desenvolvimentos (ou novas relações) vão aos poucos se distanciando ao passo que o galho cresce, não retomando qualquer relação futura com o contexto social inicial. É como se cada galho mais tarde se tornasse uma coisa autônoma e descolada da realidade geral.

O mais coerente, segundo eles, é ver as coisas como um rizoma. Na biologia o rizoma é um tipo caule subterrâneo que emite uma série de raízes que se misturam. A analogia que esses autores fazem é a de que num rizoma não existe um centro pré-definido, não existem hierarquias. As múltiplas ramificações que o formam, terminam e reiniciam, se inter-relacionam em momentos diferentes, se entrecortam, se divIdem em novas e se reencontram novamente.

Ser rizomorfo é produzir frases e filamentos que parecem raízes, ou, melhor ainda, que se conectam com elas penetrando no tronco, podendo fazê-las servir a novos e estranhos usos [...] Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezz.
(Deleuze; Guatarri, 1995, p.25)

Um sistema rizomático tem seis características: Conexão e Heterogeneidade, Multiplicidade, Ruptura Assignificante, Cartografia e Decalcomania. Os dois primeiros sugerem uma idéia a respeito do rizoma como algo não hierárquico, pois o raciocínio que se desenvolve é o de que tudo está conectado em vários segmentos e contextos, de modo que não existe algo verdadeiramente importante, ou que controle as direções possíveis; se forma um complexo heterogêneo; esse todo formado por múltiplas determinações vivas e em constante mutação sugere o terceiro aspecto: o da multiplicidade.

O quarto aspecto toca num ponto importante do rizoma que é sua capacidade de desterritorialização e territorialização. Como dito acima, as múltiplas ramificações se quebram em novas (desterritorialização), as quais em algum momento se interligam com as tantas outras ramificações existentes reterritorializando novamente com a parte heterogênea que forma o rizoma, de onde se estabeleceu inicialmente a ruptura. É a criação do novo, do novo que se reencontra com aquilo que o criou, dando um novo dinamismo ao rizoma.

Quanto aos dois últimos aspectos, entendem os autores que pelo fato do rizoma estar em constante transformação é impossível se criar qualquer tipo de decalque dele, isto é, transferir uma imagem gráfica de uma superfície a outra; ele é um modelo que não se copia, pois está em constante transformação. A única forma de se tentar elaborar uma imagem do rizoma para os autores é a criação de uma cartografia dele, mas mesmo assim é uma tarefa complicada, pois deve-se sempre manter várias entrada abertas e todas elas nunca definitivas para tentar absorver as múltiplas mudanças que ocorrem no sistema.

Essa caracterização da forma como se estabelecem as relações sociais na sociedade por meio da idéia do rizoma é muitas vezes transplantada por muitos autores quando estes fazem suas análises acerca da rede e o ciberespaço. Senão vejamos: No cieberespaço

encontramos uma estrutura feita de linhas e pontos que se podem ligar a quaisquer outros, e todos estão ligados. Não existe uma hierarquia que nos obrigue a passar por um ponto específico, pelo menos a partir do momento em que estamos ligados. Os conteúdos que trocamos com outros pontos podem ser de natureza diversa ou até podemos não trocar nada. Também na Internet o que existe é uma multiplicidade sem qualquer unidade axial que nos condicione as linhas de contacto ou de fuga. A ruptura não se traduz no fim de uma ligação, mas na produção de outra ligação, a procura de um novo endereço. Qualquer tentativa de cartografar a Internet revela-se infrutífera. A sua constante mutação inviabiliza qualquer representação estáctica. O acentralismo do Rizoma é verificável na Internet. Apesar de algumas tentativas recentes, não há ainda nenhum General que comande a estrutura e hierarquize as ligações (TEÓFILO, 1998, p.01)

Essa citação exemplifica que a idéia de rede ou ciberespaço desenvolvida por muitos autores toca na lógica do sistema rizomático. Ao desenvolverem suas teses acerca do ciberespaço, se apropriam desse raciocínio. Essa relação parece ser possível nesses autores porque o ciberespaço é entendido como uma nova forma de organização social, e o modelo do rizoma é também uma forma de explicar como a sociedade se estrutura (ou deveria se estruturar). O que se vive hoje, segundo algumas dessas análises que toma o rizoma como base explicativa, é que o ciberespaço é, na verdade, uma forma de organização social que é fruto das várias relações travadas na história que culminaram nessa ramificação específica.

O risco desse tipo de análise (positivista), que associa o social ao biológico - como é o caso desses autores – é tomar a realidade social – que é complexa, heterogênea e, particularmente contraditória – na funcionalidade abstrata.

Não é a toa que as novas ramificações que surgem dos vários cruzamentos do rizoma parecem surgir como algo natural, espontâneo. O rizoma “não tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda” (IDEM). Nesse sentido, o transbordamento é fruto de simples movimentos mecânicos. Independente da forma com que esses ramos se tocam, eles formaram novas determinações, não importa o motivo; o rizoma, podemos dizer, vale mais como uma ideologia, até mesmo de caracterização do ciberespaço.

Já Lévy, ao caracterizar o ciberespaço em As Tecnologias da Inteligência (1997), o discute a partir do conceito de hipertexto. Segundo o autor, o hipertexto é um texto no qual é possível se criar vínculos com uma série de outras formas de conteúdos digitais: podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos, seqüências sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertexto. É como uma página da web que remete a outras páginas e documentos e assim indefinidamente. Assim, quando se inicia uma navegação, não se sabe onde se vai parar, pois a multiplicidade de conteúdos disponíveis pode levar a qualquer lugar, ao nada ou a algo surpreendente. Quer dizer, é como o rizoma, não se sabe que tipos de novas experiências vão se criar ao se enveredar na multiplicidade da rede.

Para caracterizar o hipertexto (fundamental para a caracterização do ciberespaço) Levy também recorre a seis características (1997, pg. 25): a metamorfose (os conteúdos do hipertexto estão em constante transformação), a heterogeneidade (múltiplos conteúdos e discursos formam o hipertexto), o Princípio de multiplicidade e de encaixe das escalas (de modo geral remetendo à característica do hipertexto como em sua parcela mais simples dentro de uma estrutura maior: a rede), a exterioridade (os vários fatores externos que fazem a rede crescer em quantidade e qualidade), a topologia (na qual prevê que um mapeamento da rede por meio dos hiperlinks, que é o que forma a rede) e o princípio de mobilidade dos centros (o que prevê que a rede não tem um centro definido de controle ou organização).

Enfim, percebemos nessa caracterização de rede elaborada por Levy a aparição das muitas idéias desenvolvidas no modelo rizomático. Como dissemos, esse modelo, apesar de tocar em características interessantes no âmbito do ciberespaço, deixa o motor das transformações e a noção de processo nas diversas formas de sociabilidade, seja ela eletrônica ou não, intocadas.

Desse modo, não adotamos a idéia do rizoma por acreditarmos que as novas formas de interação social surgem de contextos e desenvolvimentos sociais específicos. É sobre isso que Alves (2003) vai nos alertar sobre o momento atual em que se desenvolve a estrutura de rede, do ciberespaço: ele é a nova forma criada pelo capitalismo de engendrar a produção e reprodução da sociedade moderna.

Em outro texto, Alvez (2000) fala mais detalhadamente dessa relação. Nele o autor expõe que o desenvolvimento do ciberespaço é um processo importante da comunicação telemática que ganhou força a partir dos anos 80 do século XX, servindo como ponto de apoio para a mundialização do capital (globalização), sobretudo aquela apoiada nos crescentes fluxos de capital financeiro, umas das principais características do capitalismo atual. O autor acredita que exista uma íntima relação entre a financeirização e o avanço do ciberespaço, afinal aquele depende deste para que todo seu dinamismo funcione perfeitamente. Como coloca Santos:

É a partir da unicidade das técnicas, da qual o computador é uma peça central, que surge a possibilidade de existir uma finança universal, principal responsável pela imposição da todo um globo de uma mais-valia universal. Sem ela, seria também impossível a atual unicidade do tempo, o acontecer local sendo percebido como um elo do acontecer mundial (SANTOS, Apud CRUZ, S/D)

De modo geral, o que se quer sugerir é que realmente vivemos em um sistema cada vez mais fluído, formada sim por uma dinâmica múltipla, mas que não necessariamente crie as rupturas por si mesmas de forma autônoma; não se quer negar que cada vez mais fazemos parte de um sistema heterogêneo e de constante mudança, seja ele digital ou não, mas que esse sistema não é um sistema realmente sem controle ou sem direção, mas que em nosso entendimento é dado pela dinâmica – política, social e econômica – da sociedade capitalista. Por isso, sugerimos que é possível demonstrar a intima relação entre o desenvolvimento do ciberespaço e a manutenção da sociedade capitalista tendo a rede como seu suporte principal.

Não é nosso objetivo fazer uma análise profunda desse argumento, até mesmo porque Alves (e outros autores) já a faz nos textos citados, mas não podemos deixar de retomá-la em outros momentos, principalmente quando nosso objetivo é o de discutir que tipos de uso se faz da rede em nossa sociedade atualmente além de como e de que modo ela oferece novas formas de sociabilidade (talvez transformando muitas das tradicionais), podendo, inclusive, servir como possível elemento emancipador.

Antes de empreender essa discussão, gostaríamos de voltar um pouco nossa atenção para esse aspecto histórico do desenvolvimento das técnicas fundadoras das tecnologias do ciberespaço, a fim de caracterizar melhor nosso objeto.

Atualmente, os serviços relacionados à rede e a estrutura de seu funcionamento é algo que cada vez mais está ao alcance das pessoas. Entretanto, seu desenvolvimento inicial teve um caráter mais restrito, pois ele estava atrelado aos interesses governamentais e militares:

É difícil estabelecer a paternidade do computador moderno, já que boa parte das idéias e do trabalho desenvolveu-se nos Estados Unidos e Grã-Bretanha durante a Segunda Guerra Mundial, sob o manto do sigilo de guerra (GATES, 1995, p. 37).

Nos anos de 60 e 70 a Agência de Projetos de Investigação Avançada (ARPA) do Departamento de Defesa Americano financiou um pequeno grupo de programadores e engenheiros de eletrônica pouco ortodoxos com o objetivo de reformular todo o processo de operação dos computadores (RHEINGOLD, 1996, p. 88).

Esse pequeno grupo estava espalhado em laboratórios como o MIT - Massachusetes Institute of Technology –, atualmente um dos mais renomados institutos de tecnologia no mundo, e algumas faculdades de tecnologia americana. Desse modo, entre tantos trabalhos em diversas vertentes da informática, foi desenvolvida a primeira rede de computadores quando esses pesquisadores da ARPA interligaram entre si seus computadores para trocarem informação e conhecimento. (RHEINGOLD, 1996)

A preocupação militar e política gerada a partir da guerra fria era a de dominar a tecnologia de ponta, que agora tinha trocado de mãos, isto é, passou para os Russos quando estes lançaram o Sputinik e levaram o primeiro homem ao espaço.
Para o governo americano a possibilidade de um sistema de rede que permitisse que as informações contidas nos computadores conectados pudessem ser acessadas de qualquer um dos computadores ligados a ela e a qualquer momento era muito interessante, pois seria possível ter um sistema operante ininterruptamente, mesmo em caso de uma guerra nuclear, por exemplo.

Por isso, nessa rede, não era interessante existir um comando central de informação e controle, afinal um ataque direto a esse centro impediria qualquer forma de acesso à informação. Desse modo, todos integravam e contribuíam de alguma maneira para a totalidade da mesma. As informações eram dispersas e não centralizadas em um só computador (ERCÍLIA... S/D).

Como tal ataque nunca aconteceu, a tecnologia desenvolvida foi sendo ampliada, e sua expansão para outras esferas que não as acadêmicas, de pesquisa ou militares se estabeleceu. Logo, outras redes foram criadas, inclusive, em outros continentes e em empresas particulares.

a Internet se popularizou muito no meio acadêmico e na contracultura antes de chegar ao grande público. A verdade é que houve um "espírito comunitário" muito forte na criação da rede, que por muito tempo guiou as ações das pessoas. Anteriormente o público da Internet era composto por estudantes e pesquisadores, mais interessados em trocar experiências e satisfazer a curiosidade dos demais do que em usar a rede para auferir lucros (CRUZ, S/D, p.01)

Aos poucos essas empresas privadas como AT&T, que antes desprezaram a tecnologia de rede, começaram a criar suas redes, percebendo que estas potencialmente iriam gerar lucros, de modo que os interesses comerciais passaram aos poucos a dominar o cômputo geral de redes existentes.

Em parte essa saída da rede do controle acadêmico/militar também se explica pelo fato de que com o passar do tempo os pesquisadores foram deixando o projeto original e criando suas próprias empresas de informática, trazendo, é claro, o conhecimento adquirido no projeto e desenvolvendo novas idéias.
Ao mesmo passo, outras instituições foram sendo agregadas à rede, como a Nasa (1971). Ainda na década de 70 essa rede amplia-se chegando ao continente europeu – que já contavam com redes próprias –, com conexões na Inglaterra e Noruega (INTRODUÇÃO... S/D).

Historicamente, portanto, essa primeira rede foi criada no período da guerra-fria, com a preocupação de que caso um ataque nuclear fosse dirigido aos EUA, informações vitais não seriam perdidas e poderiam ser acessadas de qualquer ponto da rede.
Por meio de uma série de investimentos, agora não apenas governamentais, mas de várias empresas particulares que vislumbravam possibilidades de ganho nesse novo mercado capitalista que surgia, as redes foram se generalizando em muitos pontos do globo. Cada uma possuía seus parâmetros de funcionamento e a compatibilidade entre elas não era algo comum.

Visando a uma integração cada vez maior entre as várias redes autônomas existentes, foram criadas formas de facilitar “sua comunicação”, como o desenvolvimento de protocolos universais de comunicação – como o TCP/IP, por exemplo. Mais tarde, conforme a rede ia chegando ao usuário comum, softwares de navegação, ou browsers – Internet Explorer, por exemplo – e linguagens de programações voltadas para esses softwares – HTML, por exemplo – foi possível que as redes pudessem se interligar e compartilhar documentos e informações sem qualquer problema de compatibilidade, tornando possível dessa maneira a troca de informações entre elas de forma muito generalizada.

Nesse momento, um processo de agregação entre redes teve início, formando-se uma rede geral, sem comando central. Daí vem o nome de Internet – INTER NET ou rede internacional –, conhecida por rede das redes, exatamente pelo fato de integrar uma infinidade de redes menores ligadas umas às outras no mundo todo, formando a Aldeia Global (Mcluhan, 1989), ou a Era da Informação / Sociedade em Rede (Castells, 1998) ou a Sociedade Informática (Adam Schaff, 1997), a rede / infovias da informação (CEBRIAN, 1998), a vida digital (NEGROPONTE, 1995), o mercado informacional (DERTOUZOS, 1997) ou a superestrada da informação (GATTES, 1995) entre muitos outros neologismos que, se fossemos citar todos, encheríamos mais de uma página, mas que na verdade representam uma só lógica.

A Internet é o exemplo atual mais prático de integração em rede; ela é um dos principais suportes técnicos do ciberespaço. Na verdade, a Internet que se conhece hoje é a fase atual do desenvolvimento de uma estrutura muito explorada no mundo da ficção, mas que parece se tornar idêntica a ela a cada dia que passa. Essa estrutura, em muitos aspectos, já funciona e vai, segundo alguns dos autores que citamos acima, transformar em muito pouco tempo todo o modo de vida que o ser humano desenvolveu até então.

Desse modo, a Internet de que falamos no início do século XXI é apenas a forma atual de um processo que se iniciou algumas décadas atrás e tenderá ainda a ser muito mais complexo.

A digitalização como elemento de homogeneização dos conteúdos

A formação das redes permitiu que uma quantidade enorme de dados pudesse trafegar longas distâncias por meio de ondas elétricas (cabos em geral) e ondas de rádio (por satélite), por um preço muito baixo, quando comparado com outras formas de se transmitir a mesma quantidade de informação.

Mas isso tudo não seria possível no que se refere às redes de computadores atuais se, além do desenvolvimento de tudo que citamos, não atentássemos para uma outra característica marcante deste processo: a digitalização das informações. Segundo Negroponte (1995) – um dos fundadores do laboratório de multimeios do MIT –, para entender melhor esse aspecto é necessário que entendamos a diferença entre bits e átomos.

Imerso no conceito de digital e virtual, o autor estende o conceito de átomo, dizendo que “a maior parte das informações que chega ao homem acontece na forma de átomos, isto é, jornais, revistas, livros [cartas, Cd´s, fitas de vídeo, entre outros]” (Negroponte, 1995, p.17). Entretanto, com a ampliação do sistema de informação sem fio, da informática, etc., a tendência é de que em breve tudo isso seja transformado em bits, isto é, em formato digital.

Esse processo fica mais claro nesse exemplo de LEVY:

O leitor de um livro ou de um artigo de papel se confronta com um objeto físico [...]. O suporte digital (disquete, disco rígido, disco ótico) não contém um texto legível para os humanos, mas uma série de códigos informáticos que serão eventualmente traduzidos por um computador em sinais alfabéticos para um dispositivo de apresentação.
(LEVY, 1996, p.39)

Desse modo, quando digitamos um texto num software para essa função, o computador armazena essa informação num sistema binário , um sistema de códigos universais que pode ser compartilhado por praticamente qualquer computador que faça a interpretação desse código digital. O mesmo acontece quando escaneamos uma fotografia e a inserimos no computador, ou quando imprimimos um texto qualquer estocado na máquina.

Na rede, portanto, esse tipo de informação digital pode trafegar à vontade de um dispositivo para outro, não importa a distância e o horário, nem mesmo o conteúdo, desde que esteja nesse código universal. “Uma rede eletrônica mundial de bibliotecas, arquivos e bancos de dados surgiu, teoricamente acessível a qualquer pessoa, em qualquer lugar, a qualquer momento” (KUMAR, 1997, p. 22)

A tendência é que todos que usarem a rede, de alguma forma, interajam entre si trocando informações digitais, seja por meio do computador ou qualquer outro aparelho que possibilite a conexão, dando acesso a serviços e formas de expressão de qualquer tipo: a filmes, a músicas, a notícias escritas e faladas, a diálogos em tempo real com outras pessoas, a compras, aos estudos, a visitas aos mais diversos lugares, como uma exposição ao museu, pagamentos, entre outras coisas, de modo que a experiência física seja cada vez mais minimizada em favor de experiências mediadas por formatos digitais. É como um telefone, só que em vez de apenas sons transformados em sinais elétricos e vice-versa, outras coisas podem ser transmitidas.

De modo geral ainda é pequeno o tráfego de informações digitais, todavia, a tendência que se percebe é a de expansão, tanto quantitativa, quanto qualitativamente, em vista do seu barateamento e de seu acesso por meio de formas de custo também relativamente baixo, como um celular, por exemplo.

Uma situação prática da aplicação da rede, que chega à pessoas de baixíssima renda, são os programas assistenciais como o bolsa escola ou fome zero, em que o usuário recebe um cartão e senha para retirar por meio da rede seu benefício.

É claro que não estamos desprezando os problemas e os interesses econômicos por trás da rede. Muito menos aceitando que seus benefícios ou os melhores serviços estarão à disposição de todos ou que a rede será menos excludente do que qualquer outro desenvolvimento sócio-técnico criado no bojo do capitalismo. O que queremos deixar claro com este exemplo é que a rede, em maior ou menor escala, já é uma realidade até mesmo entre aqueles que fazem parte de programas assistenciais do governo. “A revolução da informação é uma realidade e estamos nela. Afetou como vemos o mundo e como vivemos nele” (KUMAR, 1997, p.171)

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TEÓFILO, Fernando: Tubérculos Capitalismo Esquizofrenia e a Internet Segundo Deleuze e Guattari. UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR. 1998 Disponível em . Acesso em: mar. 2005

ZUFFO, João A. A Infoera: o imenso desafio do futuro: o Progresso Técnico. São Paulo: Ed. Saber, 1997.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ótima iniciativa pra discutir o ciberespaço.
Vou passar sempre por aqui...
Pode contar comigo pra divulgar também.
Empolguei, talvez me atreva até a escrever algum artigo.

Abraço.

Alex Antonio Bresciani disse...

Aguardo ansiosamente um material seu. Pode ter certeza que publicarei.