quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

A característica ambivalente do Ciberespaço

Por:

Alex Antonio Bresciani

Desde as últimas décadas do século passado começou a fazer parte de nosso vocabulário uma série de conceitos e práticas que antes eram desconhecidos pela maioria das pessoas: Aldeia Global, BBS, Comunidade Virtual, Correio Eletrônico, Cultura Digital, Democracia Digital, Identidade Digital, Internet, Jogos em Rede, Largura de Banda, Loja Virutal, Mirc, Multimídia, Navegador, Netetiqueta, Realidade Virtual, Rede ; Bits, Browser, Chat, Cyberpunk, Cyberspace, Desktop, Download, Gigabite, Hacker, Home Page, Hyperlink, Lan House, Messanger, On-Line, Web Site, Wireless, pra citar alguns exemplos.

Algumas vezes, de forma até banal, muitos deles são divulgados freqüentemente em jornais e revistas, comerciais de televisão, letras de músicas, novelas, e uma série de outros meios de informação. As ações inerentes a esses termos estão sendo adotadas com mais freqüência pelas pessoas, sendo que muitas se tornaram hábitos corriqueiros para muitos. Todavia, a implementação dessas ações geralmente estão cercadas de um discurso ideológico, por meio do qual são relacionadas como característica de um mundo novo e cheio de possibilidades.

Essa premissa se assenta nos desenvolvimentos tecnológicos que, desde o pós-guerra, se tornaram alvo de inúmeras pesquisas, que culminaram no desenvolvimento do computador e na criação de uma rede de interação humana, a “sociedade da informaçãoou ciberespaço[1], como denomina Lévy (LÉVY, 1999).

Como salienta Alves (2003) o ciberespaço é um espaço socialmente constituído, um lócus, uma rede de interação e de transformação social mediado pelo computador, ou formas tecnológicas de expressão, como sugere Martinez (2001).

Olhando por essa perspectiva, isto é, do desenvolvimento da sociabilidade mediado por determinadas tecnologias, podemos dizer que essa nova sociedade de que tanto falam, dependendo da abordagem, é tão antiga quanto a própria informática. Desde a época em que o homem se utilizou da escrita para transmitir suas idéias e referências, permitindo a troca de idéias, um conceito muito básico de rede parece se fazer presente, isto é, a interação social ocorrendo não com a intermediação do computador, mas por meio de outras duas ferramentas: a articulação da fala e da escrita.

A idéia de rede, que abrange a formação do conhecimento a partir das relações sociais, deve ser destacada dentro de um contexto social amplo. A questão é que atualmente os processos de formação desse contexto

acelerou-se tanto que [...] [sua] duração, em razão da enorme taxa de introdução de inovações científicas tecnológicas e de gigantesca velocidade de propagação dos conhecimentos, tende a tornar-se tão curta, que a própria condição da crescente taxa de mudanças virá a ser a marca registrada dessa nova era (ZUFFO, 1997, p.14).

Para o autor, essa característica de rápida atualização do sistema será marcante num futuro próximo, de modo que ela “ocorrerá com tal regularidade e uniformidade, que ninguém notará, tornando-se parte da vida cotidiana” (IDEM, p.16). Com freqüência teremos a sensação de novidade, mas na verdade, em essência é a mesma coisa; o que muda com mais freqüência são os suportes técnicos-materiais, dando a impressão de que algo novo se produz, quando na verdade presenciamos uma mudança na aparência e na forma.

Vários podem ser os exemplos para demonstrar como muitos dos novos aparatos técnicos-materiais do ciberespaço fazem parte de nosso cotidiano e como operam na transformação da forma com que o indivíduo se relaciona com a sociedade.

Um desses exemplos é o de quando alguém vai fazer uma consulta ao seu saldo bancário: o usuário está consultando, on-line, por meio de um terminal (o caixa eletrônico), um servidor remoto (banco de dados do banco), no qual as informações referentes à sua conta estão armazenadas. Nesse momento, as informações que estão guardadas na forma de bits são transportadas via rede até o terminal, que irá imprimir a consulta solicitada. Antes era necessário ir pessoalmente ao banco, conversar com um atendente, preencher requisições, etc.

O usuário muitas vezes nem se dá conta de toda rede de inovações que está por traz dessas ações que se tornam até banais, mediadas por essa nova realidade que desde a década de 1990 estão, cada dia mais rapidamente, fazendo parte da vida das pessoas.

É a fundamentação cada vez mais rápida e maciça do ciberespaço que, em complementação com algumas idéias desenvolvidas acima, pode ser entendido, em linhas gerais, como redes de fluxo de informação por meio do qual a sociedade interage e se desenvolve sob novas determinações. (Alves, 2003).

Por isso, hoje, é possível, por meio do microcomputador com conexão ao ciberespaço, escrever uma carta, desenhar, ouvir música, assistir a um filme, acompanhar os fatos ao mesmo tempo em que eles acontecem, conversar com outra pessoa e vê-la, mesmo estando ela em outro país, ensinar à distancia, transmitir informação em forma de áudio e vídeo e uma infinidade de opções.

Percebe-se, portanto, que por meio de ações que estão se tornando simples com o uso do computador e das tecnologias das redes de comunicação (e uma série de aparelhos conexos), é possível, de forma rápida, relativamente barata e sem intermediários, desempenhar ações que até 20 anos atrás seriam impossíveis de se realizar sem a ajuda de um profissional. À luz disso, a literatura mais geral sugere que estamos vivendo um momento único na história da humanidade, no qual novas perspectivas nos são apresentadas, as quais, inevitavelmente, transformarão toda nossa forma de viver num futuro não tão distante.

A revolução da informação está no começo. Vai durar muitas décadas até receber impulso de novasaplicações” – novas ferramentas atendendo a necessidades por enquanto ainda imprevistas. Nos próximos anos, governos, empresas e indivíduos terão de tomar decisões fundamentais. Decisões que influirão na forma que a estrada da informação vai se expandir e na quantidade de benefícios a serem auferidos (GATES, 1995, p.08).

A partir dessa convergência, por muitos identificada ainda no século passado como Estrada da Informação (GATES, 1995), Rede / Infovias da Informação (CEBRIAN, 1999) Mercado da Informação (DERTOUZOS, 1997), Infoera (ZUFFO, 1997) entre outros, a forma como organizamos nossas vidas, nossa economia, a política e a cultura passarão por uma revolução única na história, digna de figurar como momento marcante da humanidade.

Na verdade, esse momento que muitos autores apregoam como novo, é entendido como a “quarta revolução tecnológica” (ALVES, 2003), que é marcada pela revolução das redes e pelaprodução de máquinas microeletrônicas e sua integração em rede interativa ou controlativa (ciberespaço) a partir dos anos 80 do século XX”, onde uma de suas características principais é a de criar espaços virtuais de caráter social sejam eles interativos ou controlativos” (IDEM, 119).

Essa rede é formada por um agregado de técnicas anteriores a ela (telégrafo, rádio, televisão) e inova, ao permitir a convergência em um meio de um conjunto de ações às mãos de qualquer um que tenha acesso à ela. Um dos meios de acesso mais modernos atualmente é a Internet, a principal base técnica do ciberespaço (IDEM). Ela é um sinal dos tempos que se aproxima, da fundamentação da quarta revolução tecnológica, na qual o acesso ao ciberespaço, ou melhor, a possibilidade de interação social por meio de enormes fluxos de informação se por meio de uma série de aparelhos que estão chegando ao mercado dia-a-diatelefones celulares, televisão à cabo e até geladeiras digitais.

O que não podemos perder de vista a respeito disso tudo é o fato de que a estrutura dessa rede, e desse ciberespaço, é considerada a nova forma criada pelo capitalismo para engendrar a produção e reprodução da sociedade (IDEM), de que a “IV Revolução Tecnológica diz respeito a uma etapa do capitalismo moderno – o capitalismo global, o da mundialização do capital com seu novo regime de acumulação flexível” (HARVEY, 1992 Apud. ALVES, 2003, p. 119). É claro que isso não implica numa “gaiola de ferro” da qual não se tem por onde fugir e que engessa nossas ações. Como Alves salienta, nunca antes tivemos uma forma de superação tão significante como essa apresentada pelo ciberespaço. Para ele o ciberespaço aparece como uma possibilidade de desenvolvimento de uma nova sociedade emancipadora para além do capital, além de servir também como uma nova forma de expor, até mais evidente do que em qualquer outro momento, as contradições do sistema.

Quando dizemos ciberespaço dizemos um novo campo midiático onde irão se projetar as contradições sócio-humanas (...) O ciberespaço é uma novalupa sócio-histórica” capaz de nos fazer perceber as imensas possibilidades de perda (e emancipação) humano-social, conduzidas pelo processo civilizatório do capital (ALVES, 2000, p. 55)

Essa leitura permite supor que a rede, ou o ciberespaço, ou a “sociedade da informação” (três dos jargões frequentemente utilizados nesse novo contexto) têm esse duplo aspecto, o de servir como aporte ao desenvolvimento do sistema, mas também como elemento potencial de superação do mesmo.

Esse desenvolvimento, portanto, carrega um o discurso ideológico que o fundamenta; discurso este intimamente atrelado à ideologia por trás do desenvolvimento da sociedade capitalista, que agora se renova por meio da “sociedade da informação” e do ciberespaço, nos fazendo entender que a “sociedade da informação” seja talvez algo não realmente novo, mas uma forma reestruturada do sistema, mascarada por uma ideologia do “novo” e com capacidade para livrar a sociedade dos problemas que o progresso trouxe no bojo de seu desenvolvimento.

Por outro lado, por permitir a participação coletiva (claro que ainda são poucos), a transparência e a rapidez na divulgação de idéias pode permitir a criação no ciberespaço de inúmeras novas formas de contestação ao próprio sistema como Ongs, por exemplo. O ciberespaço possibilita novas formas e novas possibilidades de comunicação e interação intersubjetiva entre os indivíduos. Do mesmo modo que ele é usado como espaço para a reprodução do valor de troca, ele pode ser usado para ressaltar as contradições do mesmo processo, bem como servir de base para se debater e propor formas de emancipação.

Assim, portanto, neste início de século XXI, devemos, entre outros enfoques, pensar em formas de apropriação do ciberespaço para fazer frente daquelas posiçao “defendida pela indústria da informática e seus ideólogos” (RUBEN, 2003, p.248).

Bibliografia

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ZUFFO, João A. A Infoera: o imenso desafio do futuro: o Progresso Técnico. São Paulo: Ed. Saber, 1997.



[1] O termo cyberspace (ciberespaço) foi cunhado na verdade, em 1984 por Willian Gibson, em seu romance Neuromancer (INTRODUÇÂO... 2002).

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