quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

A cidade e a perda do espaço público parte I

Por: Alex Antonio bresciani

A CIDADE E A PERDA DOS ESPAÇOS PÚBLICOS


A cada dia era mais difícil jogar futebol na rua. Enquanto durou a reforma do prédio, o jogo era interrompido a cada momento por caminhões carregados com tijolos, areia, madeira. Depois, quando se pensou que o movimento fosse diminuir, viram a rua invadida pelos caminhões de mudança e pelas caminhonetes de entrega. E, desastre final, um treco da rua acabou se transformando em estacionamento para automóveis e caminhões. Não eram raras as ocasiões em que os caminhões estacionavam durante dias, aguardando conserto ou carga.
Correndo o risco de atropelamento ou de caírem sentados numa mancha de óleo os meninos iam recuando. Jogavam apenas no final de semana ou no final da tarde, quando o movimento diminuía, e aos domingos – mas aos domingos havia o cinema (GOMES, 1987, p.34).

Essa passagem retirada do livro Terceiro Tempo de jogo, o qual descreve a estória de um grupo de amigos que começa a viver as experiências da passagem da infância para a adolescência, retrata o que ia ocorrendo em seu bairro, que começava a crescer a partir do desenvolvimento dos centros urbanos.
Esse desenvolvimento trouxe, é claro, vários benefícios, mas, também, um conjunto de contradições. Uma delas é esta mostrada na citação acima onde a rua se torna um espaço onde a falta de lazer e de convívio social – e mais tarde o medo e a violência – se tornaram características comum.
A cidade, em seu desenvolvimento, se tornou um espaço onde os conglomerados humanos tentavam sobreviver. Até o final do século XIX, poucos centros urbanos se destacavam mundialmente, inclusive no Brasil.
Esses espaços, ainda que desenvolvidos por conta da esfera econômica, eram espaços públicos que serviam entre outras coisas para o lazer. Ao lermos textos que tratam do urbanismo no final do século XIX e início do século seguinte, podemos perceber casos interessantes, como de pessoas que eram “quase” atropeladas pelos carros, tamanho era o uso desse espaço para o lazer; a rua era também lugar de muitas festas, como o carnaval que, antes de se tornar um produto como é hoje, era, antes de qualquer coisa, uma festa particularmente popular (SEVCENKO, 1992). As ruas, além disso, eram bastante ocupadas por pessoas de todas as idades.
Nas cidades européias do século XVIII, onde o fenômeno urbano surge com mais força, “tudo se passa na rua” (LIMA, 1988, 90) . Desde pobres até ricos ocupam tais espaços sem qualquer discriminação. Não havia diferenciação social nesse espaço, isto é, não havia restrições de quem podia ou não ocupar tal lugar. A rua era onde se fazia comércio, se encontravam amigos, e até para duelar. Era o local onde o público e o privado se misturavam.
Nessa mesma rua as crianças brincavam. “O espaço urbano é o seu universo; elas o utilizam à sua vontade” (LIMA, 1988, 90). Isso acontecia porque a casa, não era o espaço ideal para estabelecer tais relações. Sua função básica era apenas a de servir de recinto para alimentação e descanso. Assim, a rua era um espaço alegre, divertido, com várias atividades – lúdicas ou não –, voltadas para os diversos indivíduos e classes que a ocupava.
Com o passar dos anos e com o desenvolvimento maciço desses centros urbanos, a migração do campo para as cidades, o efeito da compressão espaço/tempo (Harvey, 1992), entre outra série de fatores, tornou a cidade um lugar onde não era possível a sua ocupação como espaços de lazer, pelo menos não na mesma intensidade e forma que antes. Mesmo praças, que eram reduto romântico dos jovens, torna-se um lugar obscuro e ficar nele até tarde da noite poderia representar um perigo eminente.
Aos poucos as cidades e suas ruas deixaram de proporcionar lazer aos transeuntes, sobretudo às crianças. Ela se torna, basicamente, um espaço de passagem, onde outdoors disputam espaço com boa parte dessas mesmas crianças, as quais ficam nos semáforos chamando a atenção para os produtos que tentam vender aos motoristas.
Para sanar a perda das relações provenientes deste processo, foi preciso criar formas de lazer que se adaptassem a essa nova condição; a televisão foi uma delas e, mais recentemente os jogos eletrônicos vieram oferecer às crianças e jovens, aventuras inimagináveis de ocorrer em espaços públicos reais.
Chegamos, assim, ao ponto nevrálgico dessa nossa discussão: com o desenvolvimento das cidades as pessoas foram perdendo formas de convívio e lazer, conseqüência da nova cultura que se formava, e fruto das transformações estruturais que o espaço geográfico urbano vinha sofrendo, e da própria violência. A realidade das ruas – o número e a velocidade dos carros, os espaços públicos transformados em espaços comerciais, produtivos, a violência e muitas outras particularidades – foi reconduzindo as pessoas, particularmente as crianças, para o centro das casas ou dos quintais, quando estes existem. Nesse espaço, em que a criança fica confinada, foi preciso readaptar formas de lazer e diversão, que com o passar do tempo ficaram cada vez mais virtuais.
O que se sabe é que o contexto atual das grandes metrópoles é um contexto onde a violência, a pobreza e a segregação espacial e cultural se fazem presentes. Influenciado por Raban, Harvey afirmou que a cidade é um lugar onde o sujeito é passível de várias possibilidades e transformações. Por trás dessas possibilidades e transformações “estava a tenebrosa ameaça da violência inexplicável, a companhia inevitável da onipresente tendência à dissolução da vida social no caso absoluto” (HARVEY, 1992, p. 17).
Todavia, para evitar essa dissolução uma possibilidade de organização existe. Entretanto, essa possibilidade ainda se estrutura sob uma ótica burguesa, que parece a cada dia menos estável. Nela, a organização espacial sobrevive mudando o velho pelo novo, mudando sua aparência, mas mantendo as velhas contradições e criando outras novas, sempre, porém, sob, uma mesma base, uma mesma essência.
Na verdade, essas contradições já existentes desde o surgimento da cidade burguesa, aparecem travestidas em outras máscaras, mantendo seu núcleo, isto é, suas contradições e antagonismos distintos, mas com outra face, que tem por função, a partir de mudanças estéticas, proporcionar a manutenção de sua forma de organização inicial.
Muitas dessas transformações começaram a se fundamentara partir do pós-guerra. Estas, em sua grande maioria vão dar novo fôlego ao modelo organizacional existente.
Dentro de nossos propósitos, tentaremos mostrar a relação dessas transformações, sobretudo a urbana, que levaram, indiretamente – ou diretamente – a adoção dos jogos eletrônicos no cotidiano de muitos jovens.
Tentaremos demonstrar dessa maneira que é com o desenvolvimento da cidade, e com a perda de espaços públicos para o privado, e com a violência, que as diversões de rua, coletivas, antes comuns, como bolas de gude, pipas, esconde-esconde, dão lugar a diversões circunscritas num espaço delimitado, cercado por muros e, muitas vezes, individualizadas.

A cidade em mutação

Hoje, é difícil criar um consenso sobre o que vem a ser o conceito ou uma teoria de cidade. Todavia, é possível discuti-la cidade levando em conta múltiplos fatores que dela fazem parte: fatores sociais, culturais, as ideologias, muitos nascidos na própria discussão cientifica do que vem a ser a cidade.
A cidade já existe desde a antiguidade. Sem muito esforço, é fácil constatar a existência de centros urbanos desde o Egito e Roma antiga e em outras localidades, conhecidas por nós através de inúmeros livros de história e de geografia. Todavia, deve-se atentar para um dado interessante. A cidade que existe hoje, e que se desenvolveu a partir do século XVII, não é a mesma cidade da Antigüidade; ela nasce em um contexto distinto, num novo contexto do desenvolvimento da sociedade atual. (VÉRAS, 2000)
Esse novo contexto e modelo de sociedade que advêm daí, têm a ver com o fomento da sociedade burguesa e assumem, dessa forma, “uma identidade burguesa” (Idem, p. 11). Portanto, a cidade vai fundando sua estrutura sob uma ótica distinta, numa estrutura atrelada a um modo de produção particular, o modo de produção capitalista.
Por trás desse contexto, a lógica burguesa elaborou uma ideologia e vários discursos sobre a esse centro urbano, como o da aglomeração, onde seus agentes se organizam individualmente com base no equilíbrio entre oferta e procura. Além disso, a cidade parecia, segundo essa visão, ser fruto de um modelo único, natural e necessário, deixando de lado seu caráter transitório e histórico, em favor de algo perene, imutável, mas progressivo, regulado pelas leis de mercado, onde tudo acontece de forma equilibrada, onde produção e consumo são equivalentes.
Logo, todo um conjunto formado por indústria e comércio se desenvolve e, em torno dele, residências, expandindo assim um núcleo – cidade – que tende a se fortalecer e se desenvolver, conforme a produção encontrava sua demanda.
Já teorizava Smith que,

é o poder de troca que leva à divisão de trabalho, assim a extensão dessa divisão deve sempre ser limitada pela extensão desse poder, ou em outros termos, pela extensão do mercado. Quando o mercado é muito reduzido, ninguém pode sentir-se estimulado a dedicar-se inteiramente a uma ocupação, porque não poderá permutar toda a parcela excedente de sua produção que ultrapassa seu consumo pessoal pela parcela da produção do trabalho alheio, da qual tem necessidade (SMITH, 1985, p.77).

Justamente por isso, os grandes centros deveriam se desenvolver ao ponto necessário de não pôr em risco o desenvolvimento das capacidades produtivas. Logo, esses locais deveriam crescer de modo a sofrer mudanças e demandar novas funções naturalmente: “todo tipo de trabalho ou ocupação começa a subdividir-se e aprimorar-se, e somente depois de muito tempo esses aperfeiçoamentos se estendem ao interior de um país” (SMITH, 1985, p.78). Isto é, para Smith e para toda uma corrente da economia clássica, seria inevitável que, ao seguir esse modelo de cidade, um processo de expansão aconteceria, trazendo, por conseqüência e de forma natural, benesse a todos.
Antes de tudo, ainda, era importante que fossem estabelecidas funções específicas para cada trabalhador, pois “uma vez estabelecida a divisão do trabalho, é muito reduzida a parcela de necessidades humanas que pode ser atendida pela produção individual do trabalhador”. (Idem, p.81). Isto é, tal divisão do trabalho proporcionaria a produção de produtos em larga escala, e o processo de troca dessas mercadorias sanaria de vez as necessidades humanas, proporcionando ao mesmo tempo o aumento da produção e das condições básicas para o desenvolvimento das forças produtivas, logo da população.
Com a divisão de trabalho, dentro da ótica da economia clássica, o processo de desenvolvimento das forças produtivas se torna tão necessário quanto natural, e isso define uma característica marcante dos grandes centros que é a de existir neles “certos tipos de trabalho (...) que só podem ser executados em uma cidade grande” (Idem, p. 80).
Tomando por base o pensamento de Smith em relação à sua época, a característica fundamental da cidade é o mercado, no qual cidadãos livres podem pôr em prática a troca, baseados em leis econômicas e políticas. Por trás disso há uma forma de organização baseada numa lógica cultural e intelectual dominante, neste caso, a da burguesia capitalista. Assim, todo um complexo de fatores e organização específicos está por trás da cidade, como as relações entre o campo e a própria cidade, o comércio interno e externo, e várias outras, sempre organizados por alguém, cuja característica essencial é ser uma “autoridade político-administrativa”, baseada em direitos e deveres dos cidadãos.
Nesse bojo, surge também o conceito de cidadão e cidadania. A totalidade da população passa, com o decorrer do tempo e com o apoio da ideologia organizacional, por diversas definições, como classe social, massa, multidão, etc., carregando assim vários conceitos ideológicos distintos (VÉRAS, 2000).
Entretanto, é importante ressaltar que a cidade não foi criada apenas para dar sustentação e criação de um mercado consumidor/produtor. A idéia de Marx da transformação da natureza pelo homem e seu desenvolvimento a partir dessa transformação é importante para entender o desenvolvimento dos centros urbanos. Levando isso em consideração, a cidade pode ser entendida como local produto e produtora das condições necessárias à vida dos homens, da mesma forma que viam os ideólogos burgueses. Todavia, o avanço do raciocínio marxiano, é que não se deve esquecer que o produto que nasce daí se insere numa lógica de produção capitalista, que como tal, tem suas contradições específicas.
De acordo com Marx, a cidade vai nascer da divisão do trabalho e pela separação do trabalho intelectual do manual, da mesma forma que admitia Smith. Mas isso não se dá de forma pacífica e natural como sugeria o economista inglês; na verdade, ela se desenvolve e implanta toda uma série de desigualdades e contradições, fruto dessa divisão, as quais passam a fazer parte dessa cidade, desde sua fundação.
Conseqüentemente, a cidade capitalista resultante dessa divisão social do trabalho e de um modo de produção específico, vai criando seus alicerces formado de um aglomerado de trabalhadores que vão se juntando em torno da estrutura formada nesse modo de produção:

A cidade aparece, pois, como o local da produção capitalista, reunindo o capital constante e o variável, a força de trabalho concentrada e suas condições de reprodução, [necessitando (de) e proporcionado] o alojamento da força de trabalho e os meios necessários à sua reprodução (VÉRAS, 2000, p. 53).

Esse modelo organizacional segrega a maioria dos moradores desse centro urbano, tanto no que se refere à sua condição profissional quanto à sua posição ocupada dentro da cidade, muitas vezes determinada pela sua própria condição profissional. Assim, fica determinado o lugar que cada um ocupa dentro desse locus, ficando defina sua posição geográfica, social e política.
Milton Santos nos lembra que o espaço denominado cidade “é agente que reproduz e acentua as diferenças de ocupação e localização, reforçando a lógica cultural do capital (transporte, infra-estrutura, economia de aglomeração e concentração)” (VÉRAS, 2000. p. 62).
Todas essas transformações têm por objetivo reproduzir e dar condições da manutenção desse mesmo modo de produção. A cidade e o urbano são o fruto de condições históricas que, em sua essência, se mantêm até hoje. Portanto, o desenvolvimento da cidade não é algo natural, como acreditava alguns autores, e tal lógica só tem por objetivo a manutenção de si mesma. Essa manutenção, hoje, além de ter todas aquelas características e contradições já apontadas por várias pesquisas sociológicas, traz consigo um mundo de desigualdades e de violência.
Essas contradições foram se tornando cada vez mais transparentes conforme a cidade se desenvolvia. Hoje, ela é mais transparente ainda. Para mostrarmos melhor essa situação de desigualdade e violência, escolhemos a cidade de São Paulo como exemplo, por ser uma cidade próxima da nossa realidade e que é bem parecida com os grandes centros mundiais.

São Paulo, uma cidade em transformação


São Paulo é hoje considerada uma das cidades mais violenta do mundo, por isso, é interessante tomá-la como exemplo para observar um pouco mais de perto essa violência e desigualdade que são duas de suas características principais.
O objetivo desse pequeno texto não é aprofundar a questão, mas dar um panorama geral das transformações que essa metrópole sofreu e que trouxe consigo o aumento da violência. Tal transformação vai ganhar força a partir do desenvolvimento econômico proporcionado, principalmente, com a implantação da cultura de café, e mais tarde (a partir da década de 30) com o desenvolvimento de um grande parque industrial, marcado por uma visão progressista e moderna. A cidade de São Paulo foi ganhando um status que lhe proporcionou o título de ‘a locomotiva do país’ (CALDEIRA, 2000, p.45). Todavia, a partir da década de 80, essa situação mudou não só no estado de São Paulo, mas em todo o território nacional.
Antes disso, ainda na década de 50, o país passou por um período de forte crescimento econômico centrado nas indústrias, basicamente na região sudeste por conta de possuir um parque industrial de grande porte e em constante desenvolvimento, o que demandava um aumento no número de contratações em vários setores da economia.
Em vista disso, “um número crescente de trabalhadores foi incorporado ao mundo dos salários e contratos formais de trabalho” (Idem p. 47). Boa parte dessa mão de obra veio de centros menos desenvolvidos industrialmente, geralmente do interior do estado, onde a economia era centrada na produção agrícola. Ocorreu, portanto, um processo de migração do campo, principalmente, para esses centros urbanos industrializados . Dessa maneira, “a maioria dos grandes habitantes de qualquer grande Estado agora vivia na cidade” (HOBSBAWN, 1997, p. 445), inclusive no Brasil, onde “a população urbana (...), que em 1950 constituía 36% da população total, em 1980 representava mais de 50% (...) em 1996 (...) 78%” (CALDEIRA, 2000, p. 46).
Todavia, as promessas de melhores rendimentos e uma vida mais confortável não acompanharam esse desenvolvimento. Ao passo que as cidades cresciam, era necessária uma infra-estrutura básica, como hospitais, escolas, saneamento, transporte, entre outras, que fornecesse o mínimo de vida e dignidade às pessoas. Isso, na verdade, até chegou a acontecer, “mas ao custo de uma queda de qualidade dos serviços e salários extremamente baixos pagos aos profissionais que os forneciam” (CALDEIRA, 2000, p. 48).
O contexto que se formava não só no Brasil, como na maioria do globo, era que “a transformação da estrutura do mercado de trabalho teve como paralelo mudanças de igual importância na organização industrial” (HARVEY, 1992, p.145), isto é, se formou um mercado informal em que as minorias excluídas – a grande maioria em muitos casos - podiam participar. Então,

o crescimento de economias ‘negras’, ‘informais’, ou ‘subterrâneas’ tem sido documentada em todo o mundo capitalista avançado (...) [indicando] o surgimento de novas estratégias de sobrevivência para os desempregados ou pessoas totalmente descriminadas (Idem, p.145).

Seguindo essas mesmas transformações, só que sob aspectos diferentes,

o Brasil tornou-se um país moderno com base numa combinação paradoxal de rápido desenvolvimento capitalista, desigualdade crescente e falta de liberdade política e de respeito aos direitos dos cidadãos. São Paulo é a região que melhor representa modernidade brasileira em todos esses paradoxos (CALDEIRA, 2000, p. 48).

Esses paradoxos começam a se intensificar a partir da década de 80. A “década perdida”, como muitos classificam tal período, trouxe, tanto para quem já era excluído do processo quanto para quem tinha alguma perspectiva, “insegurança em relação à posição social. A decadência social passa a ser uma perspectiva mais realista do que as possibilidades de ascensão” (Idem, p. 50). Então, com a diminuição dos postos de trabalho frente ao fechamento de fábricas, com o aumento do custo de vida, com a falta de infra-estrutura mínima, e outra série de fatores, a situação se agrava.
Nesse período, um panorama de recessão passou a imperar na economia brasileira e mundial. Como características se destacavam: altos níveis de inflação, o aumento da dívida externa e pública, pondo em risco o desenvolvimento do país; o investimento no setor social caiu, em grande parte aceitando acordos de ajustamentos econômicos propostos pelo FMI e outras instituições financeiras que se propunham emprestar dinheiro para financiar o desenvolvimento interno. Geralmente, esses acordos propunham metas econômicas para cada governo, no qual dever-se-ia economizar o máximo possível, gerando assim cortes especialmente no orçamento público. (FILGUEIRAS, 2000)
Enfim,
as conseqüências sociais da crise econômica foram devastadoras. Depois de uma década de inflação, desemprego e recessão, a pobreza adquiriu proporções alarmantes no começo dos anos 90 (...); os efeitos da crise foram especialmente duros para os pobres e agravaram a já desigual distribuição de renda (CALDEIRA, 2000, p. 51).

O abismo de desigualdades sociais que já existia no país tendeu a aumentar. No Brasil, uma minoria que se apropriava da maior parte dos rendimentos passou a tomar uma parte ainda maior desse montante, enquanto crescia o número de pessoas sem o mínimo de condições de sobrevivência.
“Num contexto de crise e de inflação no qual esperanças de mobilidade foram se frustrando, a insatisfação se tornou generalizada, especialmente nas áreas metropolitanas, onde a proporção de pobres é maior do que nas pequenas cidades” (Idem, p. 51).
Mesmo registrando quedas na taxa de crescimento e de migração o estado não parou de crescer, e ele foi um crescimento dado para as bordas, isto é, periferias, onde se sabe, as desigualdades são ainda mais gritantes.
Apesar dos vários movimentos sociais que surgiram, principalmente a partir da década de 80, darem esperança a população pobre, mostrando, com alguns resultados, que eles teriam a possibilidade de estabelecer os direitos políticos e de cidadão dessa população, uma nuvem ainda pairava – e ainda paira – sobre suas cabeças.
Essa nuvem é um estado de coisas que

acrescenta insegurança às já intensas ansiedades relacionadas à inflação, ao desemprego, e a uma transformação política que vinha afetando as configurações tradicionais de poder” nas quais as “relações sociais não mais podem ser decodificadas e controladas de acordo com antigos critérios (Idem, p. 51).

Assim,

a violência tanto civil quanto de aparatos do Estado, aumentou consideravelmente desde o fim do regime militar. Esse aumento no crime e na violência está associado à falência do sistema judiciário, à privatização da justiça, aos abusos da polícia, a fortificação das cidades e a destruição dos espaços públicos (Idem, p. 55).

No Brasil temos, de forma clara, expostas muitas das contradições de um sistema de produção que é comum em muitos países do ocidente. Essas contradições aparecem de forma límpida no que se chama sociedade civil brasileira – mas não só nela –, de duas maneiras:

em primeiro lugar porque o crescimento da violência em si deteriora os direitos dos cidadãos; e em segundo, porque oferece um campo no qual as reações à violência tornam-se não apenas violentas e desrespeitadoras dos direitos mas ajudam a deteriorar o espaço público, a segregar grupos sociais e a desestabilizar o estado de direito (Idem, p. 56).

Vivemos, desta feita, numa crise política e social sem precedentes em grande parte do mundo. Essa crise aglutina desigualdades, preconceito, descriminação e violência em um mesmo espaço, o espaço público. Freqüentar esses espaços novamente parece não estar mais em questão; a solução encontrada para isso e o que ela representou será mostrado em seguida.

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